Fui levado a conhecer Izaíra Silvino por intermédio da professora Mércia de
Vasconcelos Pinto, no contexto de levantamento de fontes para a realização de
minha pesquisa, então em andamento, no Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade de Brasília.
O ano? 2004.
Eu, aprovado com um projeto de pesquisa
naquela universidade, dentro de um campo da História Cultural: ali, na labuta da
História da Música realizada no Brasil.
O locus, desde o início, passava pelo
Nordeste, com uma referência clara no território e no tempo.
Uma rápida
verificação no disco do I Festival de Música Aqui no Canto, realizado em
Fortaleza em 1969, pode nos dá uma ideia da atuação artística do grupo que se
encaminhou para Brasília no início dos anos 70/fins dos 60.
Rodger Rogério está
presente naquele LP como intérprete da música “Fox-lore”, composição sua em
parceria com Dedé Evangelista, e como autor da canção “Esquina predileta”,
interpretada por Ray Miranda;
por sua vez, Dedé aparece novamente na canção
“Encabulado”, feita em parceria com o compositor e arquiteto Braguinha, interpretada pelo mesmo Ray Miranda;
Raimundo Fagner aparece no disco como
co-autor da música “Luzia do Algodão”, composta em parceria com o artista
plástico Marcos Francisco e gravada por Izaíra Silvino;
Mércia Pinto esteve na
organização do festival, responsabilizando-se pela transcrição para a partitura
das músicas inscritas.
Para a musicista Izaíra Silvino, primeira voz a
interpretar uma canção de Fagner em disco, a saída dessas pessoas de Fortaleza
para Brasília foi decisiva para que elas próprias tomassem consciência do
alcance e da qualidade dos seus trabalhos na área cultural.
Izaíra Silvino atuou como professora de música em todo estado do Ceará, mesmo morando em
Brasília, cidade que ela só adotou após passados trinta anos da experiência dos
companheiros. Bandolinista desde a infância em Iguatu, sua terra natal é
Baturité, também no estado do Ceará. Percorreu várias cidades do estado na
medida em que seu pai, militar, era transferido para novos encargos da
corporação.
Conheceu Antônio Carlos Belchior ainda em Sobral, na adolescência.
Chegou na capital do estado muito jovem. Em Fortaleza, passou a estudar violino
e a dar aulas de Educação Artística em escolas públicas, quando teve por aluno
Raimundo Fagner, que se tornou seu amigo.
Sempre esteve ligada aos movimentos
artístico-culturais do estado do Ceará.
Em sua avaliação, as duas grandes
lideranças dos movimentos culturais do Ceará na época se deslocaram para
Brasília e com isto atraíram muita gente de lá para a capital: Rodger Rogério e
Fausto Nilo eram, para ela, as pessoas que possuíam essa liderança legítima
reconhecidamente dentro da universidade, entre o poder público e na sociedade como um
todo.
Sua opinião sobre esse processo migratório do grupo que se dirigiu para
Brasília possui um elemento crítico que está no centro dos nossos interesses:
"Eu acredito que eles mesmos não acreditavam que isso era uma força. Que a arte
deles fosse de fato arte. Porque nós temos ainda uma cabeça muito colonizada. A
gente precisa que quem esteja fora reconheça que nós somos grandes pra poder
a gente dizer que é. Aí, eu acho que a vinda deles pra Brasília, essa cidade que
vinha gente de toda parte e que eles conseguiram ser eles mesmos e a arte deles
ser, também, junto desse povo todo, eles acreditaram: "Rapaz, isso aqui que a
gente ta fazendo é sério mesmo".
O Rabiscos, com exceção de alguns textos de um determinado período, sempre pretendeu ser um blog sobre música.
Nesta renascença, abro mais uma exceção, mas faço um gancho.
Considerando o objeto do presente texto, acoplo a ele uma canção na abertura para, em tese, ilustrá-lo.
Originalmente o texto foi desenvolvido dentro de uma proposta de projeto objetivando intervenção de iluminação elétrica na praça - e em tudo que veio a constituir o Circuito Cultural por ela encabeçado.
Dessa forma, tenho em mente que a referência à praça principal da cidade é um chamamento para o que constitui como uma espécie de Ponto Euxino, para onde convergem em reunião todos os sons em músicas apresentadas pelo Programa Aldeia Do MUNDO, por mim conduzido por dois anos e meio na rádio Inconfidência, emissora estatal localizada na capital onde se localiza a praça.
Atualmente (jul/2019), o Aldeia Do MUNDO continua retransmitido pela Rádio Transforma, da Cidade do Porto, em Portugal, e ganhou nova parceria, através do jornalista Antônio Carlos Lua, na Rádio Web Justiça do Maranhão, onde também retransmitirá simultaneamente levando ao ar as edições inéditas que estão a caminho de serem transmitidas nessas duas emissoras.
Segue, portanto, o texto, para os que são, moram, já habitaram, visitaram, irão visitar, querem conhecer esse núcleo urbano que muito tem a dizer sobre seu entorno imediato como cidade, mas mesmo sobre o estado, sobre o país e outras paragens, tornando-se, dessa maneira, mesmo em suas particularidades, uma metonímia de Aldeia Do MUNDO.
(Silas de Oliveira, Manuel Ferreira e Mano Décio da Viola)
Com João Bosco
(vídeo extraído do Youtube)
Ôôôô
Liberdade, Senhor
Passava noite, vinha dia
O sangue do negro corria
Dia a dia
De lamento em lamento
De agonia em agonia
Ele pedia
O fim da tirania
Lá em Vila Rica
Junto ao Largo da Bica
Local da opressão
A fiel maçonaria
Com sabedoria
Deu sua decisão lá, rá, rá
Com flores e alegria veio a Abolição
A independência laureando o seu brasão
Ao longe, soldados e tambores
Alunos e professores
Acompanhados de clarim
Cantavam assim:
Já raiou a liberdade
A liberdade já raiou
Esta brisa que a juventude afaga
Esta chama que o ódio não apaga pelo Universo
É a evolução em sua legítima razão
Samba, oh samba
Tem a sua primazia
De gozar da felicidade
Samba, meu samba
Presta esta homenagem
Aos "Heróis da Liberdade"
Ôôôô
Histórico
I - Introdução
O presente texto toma como ponto de
partida o reconhecimento da heterogeneidade do seu objeto. Isso porque se trata
de um acervo patrimonial urbano cuja existência não coincide temporalmente com a
ocorrência dos processos que envolvem a realização daquilo que o beneficiará no
presente, através da intervenção técnica. É justamente a consciência da
diversidade temporal do patrimônio, inscrita na trajetória de sua consolidação
histórica, que norteará as ações de execução.
Trata-se,
portanto, de buscar um caminho histórico para uma experiência empírica
específica de conjunto, no âmbito da cidade de Belo Horizonte. Isto implica a
verificação dos sentidos possíveis de unidade e homogeneidade, por um lado, e
diversidade e pluralidade, por outro, inscritos no âmbito de uma concepção
tomada como marco pioneiro de planejamento urbano no país. Dessa maneira, estes
sentidos devem ser matizados em seus registros temporais.
Em seus traços
internos e em sua própria historicidade, a trajetória do que veio a se
constituir como conjunto urbano da Praça da Liberdade nunca esteve previamente
dada em suas fronteiras. A percepção do
caráter transformador e dinâmico, aliado à valorização de elementos tradicionais,
é mais facilmente notada quando se consideram os significados sociais e
políticos agregados durante sua trajetória histórica em relação às
intencionalidades de sua origem. Por se constituir e consolidar-se ao longo de
significativo período de tempo, a Praça da Liberdade pode ser tomada como
reflexo em dimensão microscópica das transformações de ordem sociocultural
vivenciadas pelo seu entorno, ou seja, mais imediatamente pela cidade em
construção a que pertence, e mesmo à unidade federativa em um sentido lato.
Nesta perspectiva
é que se torna “preciso compreender que as sequências temporais são as que
marcam as mudanças que fazem a história, criam a periodicidade (ou diferenças
de significado), sendo elas as que permitem pensar na existência de gerações
urbanas, em cidades que se sucederam ao logo da História e que foram
construídas e iluminadas segundo diferentes maneiras e ideologias.” [1]
A atitude de
reunir argumentos extraídos de estudos e fontes bibliográficas e documentais diversos
sobre a trajetória histórica da Praça da Liberdade permite uma melhor
compreensão desse processo, ao mesmo tempo em que possibilita aferir a pertinência
das intervenções técnicas a serem realizadas no projeto atual aqui contemplado,
voltado para sua iluminação. Vejamos.
II - A Praça da Liberdade como metonímia da
cidade de Belo Horizonte
Belo Horizonte
foi planejada no contexto dos ideais positivistas então em vigor no século XIX
e postos em vigência pelo regime republicado instaurado no Brasil em 1889. Portanto,
a nova capital foi pensada através dos pilares da ordem e do progresso,
conceitos-chave dentre aqueles ideais, tomados de empréstimo, inclusive, como
lema da bandeira republicana do país.
Do ponto de
vista urbanístico, alguns autores reconhecem na forma como a cidade foi
configurada - em linhas e esquinas retas – uma aproximação maior aos cânones
barrocos da tradição ibérica e do modismo francês. Nesse sentido, não se
estabelece em sua concepção original qualquer objetivo de estreitamento entre a
cidade e a região onde se instala: ao contrário, sua idealização seria a
expressão absoluta do poder da cidade-capital. [2]
Como
representação do poder, a Praça foi prevista e construída no ponto mais alto
dos limites da Avenida do Contorno, para onde convergiam diversas das
principais ruas da cidade. À época da inauguração, o Palácio Presidencial e as
três Secretarias – das Finanças, da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e do
Interior – estavam inacabados, assim como grande parte de outras construções da
cidade.
Mesmo assim -
e apesar de ser concebida dentro de parâmetros urbanísticos tidos como
pré-modernos -, já nas primeiras décadas do século XX a nova capital despontou
como um signo da modernidade. Tomada sob esse viés, Belo Horizonte teria sido
capaz de apropriar-se das principais funções urbanas que lhe caberiam, tornando-se
um espaço de representação simbólica coletiva: “são suas experiências
comercial, industrial e intelectual entrelaçadas que vão transformar a cidade
em cultura”. [3]
Nesse sentido, a noção de metonímia surge
como recurso plausível para dimensionar o que, na história da cidade de Belo
Horizonte, representou e representa o espaço da Praça da Liberdade, como
“espaço indutor de sociabilidade (...) [que] envolvia tanto as atividades
públicas e políticas como as de lazer”.
a)Arquivo e memória da Praça da Liberdade: controvérsia
sobre a planta
Os primeiros levantamentos históricos sobre o
local escolhido para abrigar a Praça da Liberdade foram realizados pelo
escritor, historiador e jornalista Abílio Barreto, em sua obra intitulada Belo
Horizonte, memória histórica e descritiva – história antiga, publicada pela Imprensa Oficial de Minas
Gerais, em 1928. Neste
trabalho, Barreto informa que
“(...) havia no Arraial uma via-crúcis campal,
abrangendo uma área de 1600 m2, toda murada de taipa, resguardando 14 cruzes.
Fora erigida pelo missionário Frei Francisco de Coriolano, em 1853 (...) Essa
via-crúcis destinava-se à via-sacra e foi destruída pela Comissão Construtora
da Nova Capital, quando se fez a esplanada para a atual Praça da Liberdade”. [4]
Parte significativa
da documentação consultada traz a informação de que teria sido o chefe da
Comissão Construtora da Nova Capital, Aarão Reis, o responsável pelo projeto de
distribuição das edificações oficiais do poder executivo mineiro dentro dos
limites da praça, junto ao Palácio do Governo. Em documento oficial recente
elaborado para compor o Processo de Tombamento da praça pelo município (1994)
tal informação encontra-se segura:
“o Conjunto
Urbano da Praça da Liberdade e Adjacências é caracterizado pela praça e
edifícios que compõem o centro cívico da Nova Capital do Estado tal
como foi concebido pelo traçado original de Aarão Reis. Além do
Palácio da Liberdade e Secretarias de Estado de Obras, Fazenda,
Educação e Segurança Pública a aérea conta com outras edificações
remanescentes desta época, constituindo-se num dos mais significativos
conjuntos contemporâneos à fundação da cidade”. [5]
No
entanto, em texto intitulado “A construção do lugar e da memória: a Praça da
Liberdade e seu prédio Rosa” [6] é
possível extrair a seguinte informação, que contesta aquela que é mais
disseminada:
“no
projeto original da CCNC [Comissão Construtora da Nova Capital], a Praça da
Liberdade seria apenas uma grande esplanada com o Palácio Presidencial ao
fundo, sem nenhuma outra repartição pública. Essa concepção foi alterada, ainda
em sua fase de planejamento, pelo engenheiro Francisco Bicalho, que assumira o
cargo após o desligamento de Aarão Reis. Por decisão de Bicalho, as Secretarias
do Estado foram transferidas para as laterais da Praça, fazendo com que essa
assumisse a feição de centro administrativo da cidade”. [7]
A hegemonia da
presença de Aarão Reis na direção da Comissão Construtora da Nova Capital pode
ser explicada pelo que nos esclarece o historiador Cristiano Alencar Arrais,
segundo o qual
“... a defesa
da probidade e da ética na condução da vida pública é que comandou o discurso
de Aarão Reis. São estes os dois atributos que definem também a forma como o
engenheiro-chefe via a construção de Belo Horizonte: termos como “penosa
tarefa”, “trabalhoso e árduo período”, “espinhosa tarefa”, “penosa tarefa” e “insano
labor” são constantemente utilizados nos documentos levantados. Enquanto que
termos como lealdade, dever, sacrifício, dedicação, ilustração, entre outros,
definem a visão que o engenheiro- chefe tinha sobre seu trabalho”[8].
Em outro momento, o mesmo
pesquisador complementa:
“além de ser
trabalho e obra, a função de Aarão Reis era entendida por ele como missão –
civilizadora, patriótica e republicana – que, ao final, a tornaria
indissociável da imagem de seu autor. (...) Dessa forma, mesmo após sua saída
da chefia da Comissão Construtora, essa imagem será perpetuada, nublando a
participação de Francisco Bicalho no processo de construção de Belo Horizonte”[9].
Entretanto, investigando
as motivações que levaram o engenheiro Francisco Bicalho à decisão indicada,
temos que com a troca de comando na condução do processo de construção
da nova capital mineira (em que Bicalho assume como novo chefe da Comissão
Construtora), tal ideia foi abandonada em função da constituição de um centro
cívico tradicional, concentrado em torno da Praça da Liberdade. Esta alteração,
entre outras, visava facilitar o processo construtivo, a valorização
imobiliária e a consequente ocupação do perímetro urbano tendo em vista a grave
crise financeira por que passava o Estado no final do século XIX. A mesma crise
faria com que muitos elementos e prédios previstos no projeto original de Aarão
Reis nunca saíssem do papel. [10]
A controvérsia
ganha ainda mais sentido na medida em que se sabe dos embates travados
internamente entre as vertentes do movimento republicano em torno da afirmação
e da luta por supremacia em relação a autoria da proclamação do então novo
regime. Consultando um documento intitulado “Solicitação”, datado de 1897, Alencar
Arrais transcreve em nota de rodapé o conteúdo dodocumento, segundo o qual
“Os
republicanos veneradores da memória do Inquebrantável Defensor da República na
sua mais antiga crise, desejando aproveitar a data para render-lhe uma
homenagem, vem pedir que seja dado à atual avenida da Liberdade o nome de
Marechal Floriano”. [11]
Como se sabe,
a Avenida Liberdade era como se chamava a atual Avenida João Pinheiro, que
originalmente se prolongava até a frente do Palácio da Liberdade e
posteriormente teve o trecho da praça da Alameda das Palmeiras. Francisco
Bicalho teria indeferido o pedido, justificando que a ele não competia mudar
nomes de ruas batizadas por Aarão Reis.O engenheiro chefe informava que a troca de nome da rua só seria
possível via decreto, já que a planta foi aprovada também por decreto.
A primeira
grande reforma no espaço da Praça da Liberdade, considerada um marco em sua
história, se deu em 1920 - início de década caracterizada por intenso processo
de reforma e intervenção em cidades brasileiras – e transformou
significativamente a arquitetura local. Esta
reforma da Praça teve por motivação imediata a visita dos reis da Bélgica, que
vieram acompanhados do então presidente da república Epitácio Pessoa.
Rompendo
definitivamente com a imagem de cidade inacabada, iniciava-se a fase de
melhorias e remodelação do plano original e a consolidação da cidade de Belo
Horizonte enquanto centro administrativo, comercial e cultural do país. Para a
arquiteta e historiadora Júnia Marques Caldeira,
“a
remodelação da Praça da Liberdade caracterizou-se por uma geometrização do seu traçado
paisagístico, propondo uma série de canteiros e jardins, com a predominância de
formas retangulares. Executado pela empresa paulista Dieberger & Cia, o
novo traçado apresentava seis pontos articulados ao longo de três eixos
transversais (em um retângulo de 22,5 mil m2): o chafariz (1), o
coreto (2) e o grande lago com a fonte luminosa (3) compondo a
primeira parte; a fonte secundária (4) e dois monumentos (5 e 6),
a segunda; no centro, permanecia a Alameda das Palmeiras formando o eixo
principal”[12].
É neste
momento que a Praça começa a se consolidar como um território de sociabilidade
urbana e que a vida cultural belo-horizontina explode na cidade. A Praça da
Liberdade não é mais a praça do bairro, transforma-se na Praça da cidade.
Na década de
40, a cidade de Belo Horizonte sofre a sua primeira grande expansão, estimulada
pelo processo de crescimento e modernização iniciado na década anterior.
Acentua-se o processo de verticalização, transformando definitivamente a
paisagem urbana. Este processo se manifesta, no espaço da Praça, com a
especulação imobiliária transformando o bairro dos Funcionários e atingindo o
seu entorno. Em 1954 surge o primeiro edifício residencial: o Edifício Niemeyer,
obra do arquiteto que lhe deu nome e que também será responsável pelo projeto
da Biblioteca Pública do Estado, executado em 1961. Em 1959 é construído o
Edifício Mape.Esta nova ocupação residencial, com predominância da
classe média alta, possibilitou a apropriação do entorno como lugar de moradia,
acarretando um aumento na densidade populacional do bairro.
III - A Praça da Liberdade como locus por excelência das políticas de
preservação do patrimônio em Belo Horizonte
Os
encaminhamentos de processos de preservação do patrimônio artístico,
arquitetônico e cultural envolvendo o conjunto da Praça da Liberdade tiveram
início em 1975, primeiramente com a aprovação do tombamento do Palácio da
Liberdade pelo IEPHA/MG. Na primeira metade da década de 1970, o Palácio, as
secretarias e o conjunto da Praça foram objeto de reflexão e debate acerca de
modelos de preservação do patrimônio. Em 1977 o Conjunto Arquitetônico e
Paisagístico da Praça da Liberdade – secretarias e os jardins da Praça - seria
tombado pelo IEPHA. Na esfera municipal, o Conjunto Urbano da Praça da
Liberdade - Avenida João Pinheiro e Adjacências - teve seus bens tombados no
ano de 1994, pelo Conselho Municipal de Cultura.
Os percursos
trilhados por esses processos de valorização e reconhecimento do patrimônio que
tomam a Praça como protagonista exemplificam o grau de importância com que o
tema passa a ser tratado oficialmente a partir dos anos 70. Tome-se por
referência um dos documentos elaborados para legitimar o tombamento municipal
que refaz o referido percurso. De acordo com este documento, a política
preservacionista do patrimônio no Brasil, iniciada em 1937, com a criação e
aprovação do Decreto-Lei 25 e do SPHAN (Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), passou, a partir da década de 1970, por importantes
mudanças:
“em termos conceituais, a ênfase dada aos monumentos da cultura do
colonizador tornava problemático, nos anos 70, uma identificação social mais
abrangente com o patrimônio. Para setores modernos e nacionalistas do governo,
era necessário não só modernizar a administração dos bens tombados, como
atualizar também a própria composição do patrimônio, considerada limitada a uma
vertente formadora da nacionalidade, a luso-brasileira, a determinados períodos
históricos, e elitista na seleção e no trato dos bens culturais, praticamenteexcluindo as manifestações culturais mais recentes, a partir da segunda
metade do século XIX, e também a cultura popular”.
Note-se
uma tendência à flexibilização socioeconômica e à incorporação de bens mais
próximos da experiência cultural recente no quadro de reconhecimento do valor
cultural. Há, portanto, neste documento, a indicação de um pensamento que
redimensiona oficialmente tanto o conceito de cultura quanto põe em evidência
um conceito tradicional de história que somente valoriza os cânones de um
passado longínquo e estático, associando–a à ideia hegemônica e elitista de
monumentalidade como pompa:
”tudo apontava para uma política cultural que se dispusesse a conhecer o
Brasil. Identificar seus múltiplos referenciais culturais. Redescobrir sua
heterogeneidade cultural, visto que (segundo Magalhães) ‘a heterogeneidade é a
inverdade’. O que deveria ser feito sempre visando a visão do conjunto.
Recuperando a visão do todo cultural. Dito (segundo Magalhães) de forma direta
e didática: “a nossa realidade é riquíssima, a nossa realidade é, inclusive,
desconhecida. É como se o Brasil fosse um espaço imenso, muito rico, e um
tapete velho e roçado, um tapete europeu, cheio de bolor e poeira tentasse cobrir
e abafar este espaço.”
Teria sido
pela presença de Aloísio Magalhães na presidência do SPHAN (Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) durante os anos 1979-1982 que tornou-se
possível lançar luz a uma nova reflexão e formulação conceitual acerca dos bens
passíveis de tombamento. Foi neste período que se reelaboraram não só as noções
de valor histórico,como também tiveram
reformuladas as concepçõesadministrativas e a composição do patrimônio nacional.
“Sua noção
de bens culturais se opôs à noção de patrimônio histórico e, ao mesmo tempo, a
incorporou. Opôs-se na medida em que a noção de patrimônio foi, historicamente,
apropriada e reduzida à noção de preservação do patrimônio de pedra e cal. Da
preservação arquitetônica dos monumentos da etnia branca e elite, civil,
militar ou eclesiástica. Incorporou-o na medida em que patrimônio histórico
passou a ser a espécie, e bens culturais, o gênero. Trata-se, portanto, de
conceito mais abrangente, que incorpora a tecnologia, a arte, o fazer e o
saber. Das elites e do povo também. Da etnia branca e também da negra e da
indígena. Pois, como gostava de dizer: ‘a cultura brasileira não é
eliminatória, é somatória’.“
IV – Unidades que compõem o Conjunto Urbano da
Praça da Liberdade
Na
elaboração do Relatório Inicial Preliminar relativo ao presente Projeto foram
estabelecidos pela CELIX alguns critérios mínimos a serem utilizados no
tratamento de intervenção do conjunto da Praça. As ações para a execução do
mesmo pretendem respeitar as características de cada unidade que compõe o
conjunto, formado pelas seguintes edificações: Palácio da Liberdade, Biblioteca
Pública Luis de Bessa, Rainha da Sucata, Espaço do Conhecimento, Museu Minas
Metal, Memorial Vale, Edifício Sede do IPSEMG, Prédio Verde, CCBB, Casa Amarela
– SEBRAE, Casa Amarela – CEFART e mais a alameda central e fontes constantes na
praça[13].
Em
texto escrito no ano de 1997, Yonne Grossi informa, referindo-se às primeiras
edificações oficiais construídas no espaço da Praça,que “as pedras fundamentais desse palácio e
de três secretarias são lançadas em 07/09/1896. Na Praça da Liberdade, voltadas
para o nascente, estão as secretarias de Finanças (hoje, Fazenda) e do Interior
(hoje, Educação). Em frente à de Finanças, acompanhando o poente, situa-se a de
Agricultura (atual Viação e Obras Públicas). A inauguração do Palácio se
associa à da cidade em 12/12/1897”[14].
Uma
caracterização mais tecnicamente detalhada sobre o local, nos primórdios da
história do município, encontra-se no texto de apresentação relativo à Praça da
Liberdade, incluído no tópico “Caracterização geral do Conjunto Urbano da Praça
da Liberdade e Adjacências”[15],
elaborado pela Fundação Municipal de Cultura como parte do processo de
tombamento do Conjunto pelo Conselho Municipal, assim a descreve:
Principal
referência e âncora do conjunto, [a Praça da Liberdade] é um espaço
caracterizado pela monumentalidade e convivência harmônica entre edificações de
várias épocas. Isto se dá não só pelo desenho simétrico da própria praça,
reforçado pelo tratamento paisagístico com a característica alameda de
palmeiras imperiais ao centro, mas também pelo agenciamento dos espaços vazios
e construídos que a compõem, definidos entre outros pelos seguintes aspectos:
- volumetria predominantemente
horizontal: a maioria dos edifícios tem alturas equivalentes a três ou quatro
pavimentos;
- afastamentos generosos entre as
edificações;
- utilização de elementos
arquitetônicos que propiciam diálogo entre o espaço privado das edificações e o
espaço público da Praça tais como escadarias externas com degraus de convite
como no caso dos edifícios das Secretarias, pilotis vazados como nos Edifícios
Mape e Niemeyer ou ainda recuos ajardinados como no Campos Elíseos e no próprio
Palácio da Liberdade;
- relação de escala entre o
espaço livre da Praça, as edificações do entorno e o segundo plano, o background,
onde, apesar do processo de verticalização cada vez mais intenso, ainda se
pode vislumbrar o céu.
Cabe
ressaltar que, neste mesmo documento aparecem listadas 13 diretrizes de proteção
para o conjunto, dentre elas “Promover junto à Regional Centro-Sul e a CEMIG a implantação de projetos
de iluminação para os principais eixos e pontos de interesse do conjunto. Como
foi exemplificado através dos recursos utilizados nos jardins da Praça da
Liberdade, deverão ser implementados projetos de iluminação que valorizem
também a arquitetura local”. [16]
a)O Palácio da Liberdade
Trata-se
de prédio construído em fins do século XIX, tendo sua fachada de cantaria
executada pelo empreiteiro Sr. A. Teixeira Rodrigues, Conde de Santa Marinha,
inclusive a balaustrada das entradas laterais. A parte posterior foi empreitada
com o Sr. Carlos Antonini. O edifício encontra-se na antiga esplanada, cujos
serviços ficaram, a princípio, com o Sr. Carlos Antonini. Posteriormente ficaram
a cargo do Sr. Leonardo Gutierrez.
O
projeto é de autoria do arquiteto José de Magalhães. Os trabalhos de pintura e
decoração foram entregues ao artista Frederico Antônio Steekel. Trata-se de
arquitetura de influência francesa, fruto ainda dos discípulos da Missão
Francesa, que fundou no Brasil a Academia de Belas Artes – estilo acadêmico,
neoclássico. Marcam o seu estilo os elementos clássicos, cujos ornamentos
apresentam características interessantes, como grande aplicação de elementos
decorativos em papier maché pintados,
importados da Europa. Predomina em seu conjunto o gosto europeu, tão difundido
e aceito naquela época.Suas
salas são ornadas com pinturas douradas, elementos decorativos e espelhos de
cristal. A escada do hall nobre é
peça de grande valor artístico, feita na Bélgica, na Acières Bruges, tendo em
ferro batido ornamentação tipo folhagem. A mesma se desenvolve em toda a área
do hall, sendo seu piso de mármore de Carrara.
Os pisos dos
salões são em parquet, ricamente trabalhados, formando desenhos.
“(...)
levando-se em conta o Palácio Presidencial, hoje Palácio da Liberdade, ter sido
e continuar sendo o centro de fatos históricos ligados não só aos destinos de
Minas Gerais, mas do Brasil, sede das revoluções (SIC) e centro da política
mineira, centro de administração do estado, [seu valor histórico] é
indiscutível”. [17]
As
pinturas originais do Palácio da Liberdade são de autoria de Frederico Steckel.
É possível que o Palácio da Liberdade
seja de todo o conjunto a unidade arquitetônica que potencialmente tenha
sofrido o maior impacto público após a alteração de sua função social,
verificada tanto com a mudança do local sede do governo do Estado quanto pela
sua inclusão no Circuito Cultural da Praça. A curiosidade pública em torno da
edificação pode ser traduzida não só pela suntuosidade e centralidade que ocupa
em relação à praça e às demais unidades do conjunto, como também pela função
política que ocupou ao longo da história da capital e da história republicana
mineira. A abertura de suas dependências à visitação representa um ganho social
significativo, ao possibilitar a ampliação de acesso aos bens culturais e
artísticos que o Palácio possui e, consequentemente, a reconfiguração do seu
espaço de sociabilidade.
b)Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa e
Anexo Francisco Iglésias
Do ponto de
vista da história recente da Biblioteca Luiz de Bessa, é preciso destacar o
incêndio ocorrido em dezembro de 2012.
Durante a
etapa de visitas realizadas pela equipe às unidades que compõem o Conjunto da
Praça, observou-se na fachada principal da Biblioteca uma aparente bandeja
suspensa. Foi cogitado sua existência no projeto original.
Verificou-se
que a área externa ao Anexo é utilizada cotidianamente pela população de rua
concentrada no local. Cogitou-se o deslocamento espontâneo dessa população em
virtude do Projeto de Iluminação do Conjunto alterar a luminosidade e
visibilidade dos pontos utilizados como dormitórios.
O Anexo foi
incorporado à Biblioteca após doação da Secretaria da Fazenda, em 1999. Houve
duas inaugurações, nos anos de 1999 e de 2000, sendo que na segunda delas o
então Governador Eduardo Azeredo homenageou o historiador Francisco Iglésias,
emprestando seu nome à edificação.
c)Edifício
Niemeyer
A construção
do Edifício Niemeyer representou uma ruptura na escala volumétrica e na
tipologia arquitetônica da Praça. Com um padrão em torno de quatro pavimentos
das secretarias, os doze andares propostos por Niemeyer marcavam
definitivamente a paisagem da região. O edifício, representante da arquitetura
moderna brasileira, tornou-se um importante atrativo passando a figurar nos
cartões postais da cidade. As linhas curvas, lisas, em puro concreto
contrastavam com o ecletismo dos prédios oficiais.
d)Edifício da Antiga Sede do IPSEMG (Instituto
de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - Rua Gonçalves Dias,
esquina com Av. João Pinheiro)
O antigo
prédio do IPSEMG encontra-se em reforma. Dará lugar a uma unidade acadêmica da
UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais. A concentração de unidades e
atividades educacionais e culturais no Circuito cria uma unidade que privilegia
tanto o seu caráter memorialístico quanto o de atualização de seu uso,
legitimando a importância do patrimônio em toda sua historicidade. Do ponto de
vista arquitetônico, o recuo do seu terceiro bloco pode ser considerado uma
solução modernista incomum, mas que teve como objetivo não destoar do
equilíbrio de composição dos demais prédios da praça.
e)CENA –
CENTRO DE ENSAIO ABERTO
Localizado
no “Prédio Verde”, o CENA é o nome criado por Paulo Pederneiras que define a
ocupação da antiga sede da Secretaria de Viação e Obras, na Praça da Liberdade.
O projeto tem por objetivo central oferecer à cidade de Belo Horizonte, na
forma mais democrática possível, um espaço dedicado a realização de ensaios de
grupos e artistas nos campos do teatro, dança, música, artes plásticas e
multimídia, com estrutura física e o apoio necessário para a concretização de
seus projetos. Em pesquisas preliminares realizadas com representantes destes
campos, verificou-se que a dificuldade recorrente, em especial para os artistas
e grupos mais jovens ou em formação, é a disponibilidade de um espaço adequado
aos ensaios e experimentos.
Fiel aos
mesmos princípios que nortearam a criação do Circuito Cultural da Praça da Liberdade,
que revigora o patrimônio e busca novas formas de ocupação que permitem que
esse conjunto de edificações se mantenha dinâmico e integrado à vida da cidade,
o prédio que abrigou a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas e,
posteriormente, a Secretaria de Viação e Obras e o IEPHA-MG, será transformado
num centro de estímulo à produção cultural, bem como à formação de redes entre
os frequentadores do espaço, com uma intervenção que prioriza a retomada da
configuração espacial e os valores arquitetônicos originais do edifício.
f)Museu das Minas e do Metal (MMM)
Conhecido como
prédio rosa, a edificação foi criada para abrigar a Secretaria do Interior. No
entanto, antes mesmo de sua inauguração receberia as instalações da Repartição
de Terras – órgão da Secretaria da Agricultura – e o Tribunal da Relação. No
início da década de 1930, abrigou as repartições públicas da Secretaria de
Educação e Saúde, criada pela Lei n. 1.147, de 06 de setembro de 1930. Em 1948,
com a separação das pastas de Educação e Saúde, passou a sediar apenas a
Secretaria de Educação. Na década de 1990 a Secretaria de Educação
transferiu-se para o bairro da Gameleira e no prédio rosa foram instalados o
Centro de Referência do Professor (CRP) e o Museu da Escola. Atualmente abriga
o Museu das Minas e do Metal.
Foi construído
seguindo a tendência estilística oficial adotada pela CCNC – a eclética, com
predominância de elementos neoclássicos do Segundo Império Francês. As
estruturas de ferro, que compõem um traço marcante comum na arquitetura de
estilo eclético da Praça da Liberdade, foram importadas da Bélgica, produzidas
pela Societé Anonyme Ateliers e Forges & Aciéries de Bruges. De origem
belga são as escadarias, o elevador, as grades e outros elementos produzidos em
ferro. O zinco, de origem das mesmas empresas belgas, foi utilizado nos motivos
e ornamentos das calhas e na cúpula do edifício.
Assim como as pinturas
originais do Palácio da Liberdade, as das Secretarias do Estado também são de
autoria de Frederico Steckel. Além das ilustrações figurativas e alegóricas, há
pinturas nas paredes que se assemelham às texturas das rochas. A maioria dos
pigmentos das tintas utilizadas no acabamento do edifício era de origem
mineral, muitos deles também importados da Europa. Steckel trouxe consigo uma
equipe do Rio de Janeiro que, além das pinturas, realizaram trabalhos com
estuque no prédio. O estuque, massa de cal e areia e, conforme o caso, gesso,
foi utilizado na composição das cantarias e como elemento decorativo no
edifício.
Os vidros
incolores e coloridos das janelas, luminárias e espelho, foram produzidos
segundo a técnica do sopro em moldes. Os vidros de cores foram importados pelo
engenheiro e empresário Joseph de Jaegher, também da Bélgica.
g)CEFART
É a extensão
do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado – escola que tem
como foco de atuação capacitar, qualificar e aperfeiçoar os estudantes das
áreas de Teatro, Dança e Música. Este novo espaço abriga ensaios dos grupos
artísticos Big Band Palácio das Artes e Grupo de Choro Palácio das Artes.
V - Paisagismo
Em
texto publicado no jornal Minas Gerais
durante o período da primeira grande reforma ocorrida na Praça da Liberdade, em
1920, lê-se:
“Prosseguem
com grande atividade os trabalhos de construção do jardim da Praça da Liberdade.
De acordo com
a planta do jardim, elaborada pelo arquiteto paisagista Reynaldo Dieberger, o
prolongamento da Avenida João Pinheiro que separa a praça em duas partes terá
dois canteiros, um à direita, outro à esquerda, ornamentado com as cores belgas,
interrompidas por coníferas, podadas em formato bola. Em torno do jardim haverá
um largo passeio, sombreado por picus [SIC] Benjamin[18],
podados em formato quadrado.
A parte
esquerda da praça (em frente à Secretaria de Agricultura) terá um admirável
tanque, já quase concluído, apresentando a forma de um vaso florido por plantas
aquáticas.
No lado
oposto, serão construídos grandes gramados e largos passeios ladeados por
canteiros de flores e uma bela fonte artística.
Na praça que
fica em volta do coreto, serão colocados bancos para os dias de música.
A parte
direita da praça terá numerosos canteiros, onde serão plantadas sementes de
roseiras de todas as classes. Haverá também um largo passeio do centro desta
parte do jardim ao largo construído na extremidade e circundado por uma cerca
viva de canteiros retangulares, no estilo rosal francês.
O jardim de
frente do Palácio será ornamentado por plantas baixas para não prejudicar a
arquitetura, havendo nas viradas dos gramados uma cerca viva de azaléas.
O parque
interior será construído em estilo rosal francês, com uma rica coleção das
melhores roseiras, vendo-se ao centro um tanque
enfeitado por lâmpadas elétricas.
O rosal será
circundado por uma cerca de palmeiras”. [19]
A importância
do presente documento não se limita apenas ao fato de tratar-se de uma
descrição minuciosa das atividades a serem implementadas em um projeto
paisagístico de reforma da Praça da Liberdade em sua totalidade. Como foi dito
anteriormente, esta reforma é considerada um marco na medida em que foram
realizadas transformações profundas no desenho da Praça, aproximando-a do seu
formato atual. Isso se deveu, em boa medida, através da incorporação da via
central que a atravessava - um prolongamento da Avenida João Pinheiro, que até
aquele momento estivera aberta ao trânsito de automóveis e seria, a partir da
reforma, incorporada à paisagem interna da Praça.
Para os
propósitos específicos do presente relatório, o projeto de jardinagem da Praça
naquele ano ganha vulto pelo que foi destacado no texto: a informação de que o
parque interior projetado para a Praça continha em seu centro “um tanque
enfeitado por lâmpadas elétricas”. Pode-se deduzir que, já naquela reforma - e,
pontualmente, em seu projeto paisagístico - houve uma preocupação estética a
ser estabelecida com o diálogo entre jardim e iluminação elétrica.
VI - Desenvolvimento industrial e Iluminação dos espaços públicos
Uma
questão histórica central para o objetivo de análise e apreciação que estamos
tratando diz respeito às alterações ocorridas também – e, neste caso,
principalmente – na esfera da iluminação elétrica voltada para o espaço
público. Em se tratando da realidade brasileira, podemos destacar como marco de
um novo procedimento em relação a este campo uma conjuntura econômica interna
diretamente ligada ao desenvolvimento da indústria automobilística no país e o
aumento no consumo de veículos por parte da população brasileira. Este processo
começa a se estruturar durante a década de 1960.
“Esteticamente, a iluminação
noturna da maior parte de nossas cidades é incoerente e incompleta e é bom se
perguntar como esta situação aconteceu. Sem dúvida, ocorreu desde que o
trânsito de veículos aumentou na década de 1960 e o entorno sofreu com o
incremento e o desenho da iluminação, que não tinha uma preocupação nem com
efeitos estéticos nem com os componentes do espaço urbano que também iluminava.
O resultado foi uma iluminação uniforme (para os usuários dos veículos) e pouco
refinada, com problemas de poluição luminosa e sombras indesejáveis projetadas
sobre as calçadas (péssimo para pedestres e a edificação circundante). Pela sua
vez, a iluminação artificial dos edifícios (dominantes da época, as famosas
torres de vidro) que escapa pelas suas aberturas cria conflito, também, no
espaço urbano com a iluminação pública e com os componentes do próprio recinto,
além de significar desperdício energético”.
Em âmbito
local, esse quadro associado ao desenvolvimento específico do setor industrial
mineiro como um todo pode esclarecer sobre os fundamentos e as bases em que se
lançaram as novas dinâmicas econômicas do setor.Isso porque, no decênio anterior (1950), o
estado de Minas Gerais buscou uma solução para dois impasses em relação à sua
autonomia histórica na industrialização. A ausência de uma base energética até
aquele momento encontrou na criação da CEMIG – Centrais Elétricas de Minas
Gerais a direção necessária para fazer frente às regras impostas ao setor pelo
capital estrangeiro monopolista. Por seu turno, ampliaram-se os investimentos
em rodovias no estado através do DER – Departamento de Estradas e Rodagens,
estimulando o surgimento e crescimento das nascentes construtoras locais.
VII - Considerações Finais
Na abertura do
presente Relatório Histórico é posto como ponto de partida norteador da atuação
de execução do presente projeto o reconhecimento da heterogeneidade do objeto
contemplado. Em outras palavras, afirma-se o tratamento dialógico entre os
saberes postos em ação como estratégia que respeite uma intervenção que visa
melhorias.Tentou-se trilhar um percurso
histórico sobre o mesmo, em que se esboçassem alguns níveis de complexidade que
o caracteriza em suas relações internas e entre os diversos setores que
demanda. O olhar, esta palavra-chave quando o assunto é iluminação, que recorre
às diversas perspectivas de abordagem do seu objeto – utilizando-se de
ferramentas técnicas e sensibilidade - e dedica-se com atenção às leituras
possíveis projetadas por experiência central da cultura de um povo, de um país,
de uma cidade, encontra ecos no pensamento recente:
“Quando se fala dos planos a serem iluminados
no recinto urbano e se incluem, além dos horizontais os planos verticais,
aparece o conflito de projeto porque é tratado, geralmente, de forma separada.
Esse problema não tem solução, a menos que se projete uma nova linguagem
integrada de iluminação, que seja flexível o suficiente para amalgamar a
condição horizontal inerente da iluminação do trânsito veicular com as
considerações relativas aos planos verticais ditadas pela natureza do espaço
urbano e pela sua arquitetura , que produzem sensações espaciais diferentes
tanto durante o dia como à noite e que fazem que a cidade seja reconhecível”. [20]
É esta
consciência dos diversos patamares de equilíbrio do olhar sobre o objeto em
foco que respalda as convicções profissionais com as quais os responsáveis pela
intervenção técnica colocarão em prática o Projeto Executivo para Iluminação
Urbana do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Liberdade.
Fontes Consultadas
BARRETO,Abílio. Belo
Horizonte, memória histórica e descritiva – história antiga. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais,
1995.
“Breve
informe sobre o CONJUNTO URBANO PRAÇA DA LIBERDADE – AVENIDA JOÃO PINHEIRO E
ADJACÊNCIAS – Breve Histórico”. Fundação Municipal de Cultura. Processo
Tombamento PRAÇA, 1994
LEMOS,
Celina B. “Construção simbólica dos espaços da cidade”. In: MONTE-MOR, R.L.M ET all. Belo
Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte:
CEDEPLAR/PBH,1994.p30-1.
Mascaró,
Lúcia. Arquitextos, 063.08, ano 06, set. de 2005. Disponível em
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/438
[4]
(BARRETO, 1995).Citado em “Breve informe sobre o CONJUNTO URBANO PRAÇA DA LIBERDADE – AVENIDA JOÃO PINHEIRO E ADJACÊNCIAS – Breve Histórico”. Fundação Municipal de Cultura. Processo
Tombamento PRAÇA, 1994.
[5]
“Caracterização geral do conjunto
urbano da praça da liberdade e adjacências”. In: Praça da Liberdade Praxis. Documento eletrônico disponibilizado pela
Fundação Municipal de Cultura, s/p. e s/d. (grifo meu).
[6]
OLIVEIRA, Gabriela Dias de. “A construção do lugar e da memória: a Praça da
Liberdade e o seu prédio rosa”. Texto disponível em http://www.mmm.org.br/index.php?p=8&c=152&pa=pf&pf=1
[10] Esta reflexão foi desenvolvida pelo mesmo
historiador Cristiano Alencar Arrais em outro texto, Intitulado “Belo
Horizonte, a La Plata brasileira: entre a política e o urbanismo moderno”, onde
faz um estudo comparativo entre duas experiências de cidades surgidas em fins
do século XIX: Belo Horizonte e La Plata, capital da província de Buenos Aires.
Texto publicado Revista UFG/ Junho de 2009/ Ano XI nº6.
[11]
SOLICITAÇÃO de vinte e nove republicanos, pedindo a mudança do nome da Avenida
Liberdade para Marechal Floriano Peixoto 28 jun. citado por
ARRAIS1897.Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 14, n. 3, p. 579-603, 2010.
[12]CALDEIRA, Júnia M. “PRAÇA DA LIBERDADE: trajetória de um território
urbano”. Texto e reflexão apresentados na SESSÃO
TEMÁTICA 3: PROJETOS E INTERVENÇÕES URBANISTICAS LUGARES URBANOS:
PROJETOS E REFORMAS. COORDENADOR: PAULO BRUNA (FAU-USP). V SEMINÁRIO
DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO “Cidades: temporalidades em confronto” - Uma
perspectiva comparada da história da cidade, do projeto urbanístico e da forma
urbana.Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
CAMPINAS. Campinas, 1998. As informações sobre as mudanças ocorridas nas
décadas de 20 e 40 foram extraídas deste documento.
[13] PROJETO
DE ILUMINAÇÃO DO COMPLEXO CULTURAL PRAÇA DA LIBERDADE - Relatório Inicial
(Preliminar). Belo Horizonte, 12/02/2014
[14]
GROSSI, Yonne de S. “Belo Horizonte: qual polis?” In: Cad. hist., Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p.
12-24, out. 1997.
[15]
“Conjunto Urbanístico Pça da Liberdade e Avenida João Pinheiro”. Código
59001007. Patrimônio Histórico – Preservação/Tombamento. Processo Tipo 01
Número 059227 Ex 9,5 DV 6,9. Secretaria Municipal de Cultura. 06/07/95.
[17]Correspondência/Proposição.
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais,
IEPHA/MG, Processo de Tombamento Palácio da Liberdade. 1974.
[18]
Possivelmente trata-se do Ficus Benjamina,
mesma árvore que fora plantada na Avenida Afonso Pena no início do século
XX e retiradas no início da década de 1960.
[19]
Reprodução do jornal Minas Gerais de 4ª-feira – 4.8.1920 pg. 54ª. Coluna. In: PTE010 – Documento eletrônico relativo ao Processo de
Tombamento da Praça da Liberdade, IEPHA/MG, 1977, p.23. (grifo meu)