Fala visceral, palavra, é da beira o
batismo da esfera que tudo aqui abarca.
“Vamos dar volta por cima
Volta e meia vamos dar”
Coco De Roda (Foto: Acervo História de Alagoas)
Distante, mas a caminho do mar, a perspectiva é ribeirinha, da beirada de um
que nele deságua.
“Agora eu vou mudar a rima vou diluir meu verso”
De mamona, de piaba, do ingá e do
umbu, traz cheiro de terra da ladeira que sobe pra praça, do pé que marca no
chão, que vai pra rua do mercado. Prenúncio que dá no pau e no couro do tempo.
“Pra segurar o tombo nego tem que ser
ligeiro”
Junção diversa sem que os amparos
evocados sejam correlatos. Surgem sem cronicidade ou ordem de aparição, sem
prioridade uns sobre os outros.
“O mar não tá pra peixe puxa a loa eu
te peço”
Coerência incomum o que a costura
neles inscrita projeta de sentido vívido ao alcance do presente.
“A dança do dia a dia é osso duro,
meu irmão”
A força do elemento evocado por si só
alcança uma personalidade combativa que antes não possuía, adotando pra si um
sentido coletivo que impregna o caráter lúdico espontâneo de sua origem.
“Dança, dança cirandeira pra canoa
não virar”
O timbre, a pele preta, o requebro e
o gingado, o compasso, a força descomunal parida da suposta fragilidade de
brincadeira de roda pelas ruas da cidade que ficou pra trás... A semente do
chocalho, o apito, a bola e o sopro nobucal... tudo. Até a rodagem.
“Não temer o tempo ruim, ter alma de
guerreiro”
Como se o elétrico da roupa sonora
apenas ecoasse por aquisição o tambor do universo de seres similares que na
memória do corpo - e da própria canção – habitam, aquáticos.
“Se quiser cantar comigo fique atento fique esperto pro refrão”
Faz crer-se apagar tudo aquilo que
não presta, cantada em coro por aqueles que assim a vislumbram.
Lá vem a onda
(Escurinho e Alex Madureira)
A onda quebra lá em Paraíba
Dança ciranda na beira do mar
O vento sopra os cabelos da morena
Brilhando na luz do luar
Estrela do mar vem mais eu
Vamos dançar cirandá
Brincar ao redor da fogueira
Se embalando pra lá e pra cá.
Ô, ô, ô, ô.
Ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô
Agora eu vou mudar a rima vou diluir meu verso
Se quiser cantar comigo fique atento fique esperto pro refrão
Texto produzido e apresentado por mim no Programa Outros 500, levado ao ar pela Rádio Inconfidência FM de Belo Horizonte nos anos 2001/2001.
O Rio de Janeiro deveria deixar de ser o território da barbárie e da escravidão, ao se tornar sede provisória do império lusitano. A imagem que os europeus tinham do principal porto do país deveria se transformar com a chegada de dom João VI. Foram determinadas mudanças na administração pública colonial e a capital se tornou o centro das ações sanitárias. Por ordem da corte foram fundadas as duas primeiras escolas de medicina do país: Rio de Janeiro em 1813 e Bahia em 1815. Após a independência, D. Pedro I ordenou a criação da Imperial Academia de Medicina, órgão consultivo do Imperador em questões ligadas à saúde pública nacional e que reunia os principais clínicos da cidade. O grande desafio enfrentado pelos médicos do império era evitar as doenças infecciosas que atingiam a população do Rio e se espalhavam por todo o país através dos viajantes. As maiores epidemias cariocas do período foram de varíola, febre amarela e cólera. Levantaram a hipótese de que essas epidemias seriam causadas por navios vindos do estrangeiro. As embarcações suspeitas de transportarem passageiros adoecidos eram submetidas à quarentena, em ilha próxima à baía de Guanabara. A prática do uso da vacina contra a varíola – criada na Inglaterra em 1796 a partir do pus retirado de bois infectados – foi uma exigência que teve rápida aceitação. Uma outra estratégia era convencer a população a se refugiar nas regiões serranas em períodos de crise. A quem não podia sair da cidade, era recomendado evitar o consumo de bebidas e frutas geladas que, segundo diziam, facilitavam as infecções. De tempos em tempos, os agentes de saúde convocavam a milícia a disparar tiros de canhão para movimentar o ar e afastar o perigo dos “miasmas” espalhados pelo céu da cidade. Por “miasmas” entendiam ser o ar corrompido que, vindo do mar, pairava sobre a capital.
Uma indicação para leitura é o livro “História da saúde pública no Brasil”, de Cláudio Bertolli Filho. Deixo aqui uma canção que, distanciada no tempo da abordagem acima - lançada na década de 1970 - trata, no entanto, de questões que dialogam com ele.
Tá certo, doutor (Gonzaguinha)
É um atentado à moral e aos bons costumes vigentes, por certo inconveniente
Deixar este homem doente perambular pelas ruas a cometer tais falcatruas
Incompatível com os estatutos dessa gafieira,
Dançar dessa maneira, desrespeitando o salão, desfigurando o padrão
Fere as normas do edital de formação da nossa firma atual
Esse homem está enfermo, nem precisa exame sério, seu mal está constatado
Depressa, põe no hospital!
Deve ficar bem isolado, em quarto bem fechado
Sem portas ou janelas, pois pode ser contagiante
Dieta mais que rigorosa, medicação bem adequada e muita observação
Pra que não haja agravantes
Em tempo hábil deve ir até o centro de controle para testar sua boa condição,
Se está fechada a ferida
Seu caso deve ser anotado, o seu mal ser vigiado e lhe requer muita atenção
Seu caso deve ser anotado, o seu mal ser vigiado e lhe requer muita atenção
Foi a escuta da canção "Liberdade", da parceira João Bosco e Cacaso - lançada no álbum Na onda que balança (1994) -, que motivou a publicação desse texto aqui.
"Liberdade" é dessas canções que promovem o caminhar por ruas de cidades mineiras - paisagens mineiras que se conhece ou mesmo onde nunca se esteve - fora da lógica pragmática de percursos andarilhos dos grandes centros, quando neles se habita: prática que tem se tornado quase que exclusiva nos espaços urbanos das grandes cidades. Sua sonoridade evoca o ritmo do passo que o batimento cardíaco supõe ideal pra essa experiência de conhecimento, pelo seu compasso; e os instrumentos, incluída a voz de João, informam a aparição e o desenho, sob o olhar, de cada elemento que compõe a paisagem. Mais do que a cidade real, diante dos olhos, a música aqui desenha a cidade imaginada, conjugada (ou não) com a cidade lembrada, a dos fragmentos de memória. Dessa forma, impõe-se serena a resistência do olhar atento, contido e perspicaz do observador.
Daí, as palavras "pilar" - como estrutura, como coluna - e "mercês" - como graça, como proteção -, impregnadas de certa religiosidade no contexto aqui tomado, surgirem como nomes que conduzem esse duplo, de transeunte ao mesmo tempo que sedentário, capacitado à apreensão da horizontalidade que a cidade oferece, dela fazendo parte. Liberdade, nesse caso, mais do que palavra de insígnia de bandeira, é a fusão do corpo da cidade com o corpo de quem a pratica, esse lugar de "gente a passar, muitas cabeças".
Percorrer a cidade pela música - seja pela lembrança, seja pela imaginação - é um rico exercício.
Para quem chegou até aqui, deixo "Liberdade", de João e Cacaso. Em seguida, apresento o referido texto.
Liberdade
(João Bosco e Cacaso)
Em todo sonho
É sempre um céu azul
Em todo sonho
É sempre um mar sem fim
Só mesmo um louco
Pra sonhar assim
Sonha viver
Em liberdade
Meu canto é livre
E a paixão sem fim
O meu lugar
É não mudar daqui
Sei que meu sonho
Vai viver por mim
Mesmo que tarde
A liberdade
Luz da Matriz
Sino a tocar
Luz das Mercês
Luz do Pilar
Gente a passar
Muitas cabeças
Gente a passar
Muitas cabeças
(vídeo extraído do Youtube. Trata-se do único registro contendo a versão de "Liberdade" mencionada, a que está presente no repertório do disco Na onda que balança, de João)
Assim como outro material publicado aqui no Rabiscos de Ouvido, as informações contidas no texto representam parte do conteúdo de uma ficha por mim organizada, na condição de consultor em projeto intitulado Promoção da diversidade e do diálogo intercultural entre o Brasil e o exterior por meio do turismo cultural, realizado em 2010, para o Ministério do Turismo, através da Embratur.
Portanto, devem ser consideradas no contexto do ano em que o projeto foi realizado e, também, tendo em vista o público prioritário a que foi destinada.
SÃO JOÃO DEL REY - Minas Gerais
O povoamento da região onde hoje é São João Del Rei começou no final do
século 17 com o bandeirante Tomé Portes Del Rei. Com ele, teve início a
atividade de travessia do Rio das Mortes, que tem esse nome por ser muito
difícil de ser atravessado. O local ficou conhecido com o nome de Porto Real da
Passagem. Em 1702, descobriu-se ouro no local, que deixou de ser apenas um
ponto de apoio para ser um importante centro de mineração. Com a corrida do ouro, deflagrou-se o conflito conhecido como “Capão
da Traição”, dentro da Guerra dos Emboabas, no ano de 1709. Nessa época, o
lugar era conhecido como Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das
Mortes. Em 1713, o
governador Dom Brás Baltazar da Silveira elevou o arraial à categoria de Vila
com o nome de São João Del Rei, em homenagem a Dom João V, rei de Portugal, e a
Tomé Portes Del Rei.
Por
estar localizada na fértil região do Campo das Vertentes e após a decadência da
exploração aurífera, a cidade teve sua economia refeita com a atividade agrícola. No ano de 1838, foi elevada à
categoria de cidade. Ainda durante o século 19, o município participou dos
movimentos Sedição Militar de Ouro Preto e Revolução Liberal de 1842. Em 1881, a
cidade recebeu a visita de Dom Pedro II para a inauguração da estação da
Estrada de Ferro Oeste de Minas.
Em
suas ruas estão alguns dos exemplares mais expressivos da arquitetura colonial
mineira. Há as velhas pontes de pedra em cantaria da Cadeia e do Rosário, e o
chafariz da Legalidade, popularmente conhecido como Chafariz dos Arcos. Construído
em 1834, o chafariz comemora o fim do
motim ocorrido em 1833, quando a capital “legal” de Minas foi transferida para São
João Del Rei. A cidade também é famosa por suas ricas igrejas, como a Catedral
Basílica de Nossa Senhora do Pilar, com seus altares bordados a ouro, e a de
São Francisco de Assis, localizada no meio de uma praça com palmeiras imperiais
centenárias. Há, ainda, as Igrejas de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora
das Mercês e de Nossa Senhora do Rosário. Possui diversos exemplares da
arquitetura eclética e de outros estilos dos séculos 19 e 20.
É possível realizar um passeio de maria-fumaça pela Serra de São José
até Tiradentes. Há boas compras de artesanato nos municípios vizinhos de
Prados, Coronel Xavier Chaves e Resende Costa.
Na
culinária, o feijão tropeiro, o frango ao molho pardo, o tutu de feijão, a
galinha caipira, o angu e o torresmo são algumas das iguarias encontradas na
região. A cidade é ainda mais conhecida pelos queijos, pelo pão de queijo
e bolinho de feijão ou pela combinação de ambos, conhecido como tejucano. As
sobremesas são as amêndoas e os confeitos de açúcar com amendoim ou coco, distribuídos
às crianças quando participam das procissões vestidas de anjos, uma tradição local.
Em
2007, recebeu o título de Cidade Brasileira da Cultura, um projeto instituído
pela ONG Capital Brasileira da Cultura, a partir do modelo do projeto Capital
Europeia da Cultura, que nasceu na Grécia em 1985. Dentre os principais aspectos
destacados que justificaram o prêmio, estão:
a importância de seu patrimônio
histórico, em que se destacam inúmeras igrejas de estilo barroco e
neoclássico, com altares
grandiosos e requintados em detalhes arquitetônicos e ornamentais;
os marcos da arquitetura colonial
mineira como o prédio sede da prefeitura, a casa do barão de Itambé, os
solares do barão de São João del-Rey, da baronesa de Itaverava, dos Lustosa,
dos Neves, o casario da rua Santo Antônio, dentre outros;
a efervescência cultural da cidade,
com destaque para as duas orquestras bicentenárias, a Lira Sanjoanense e a
Ribeiro Bastos que com suas músicas sacras barrocas alimentam a tradição religiosa
local;
a semana-santa em que são revividos
todos os rituais centenários, como celebrações em latim, procissões e ofício de trevas;
as festas populares como o carnaval,
a folia de reis e os grupos de congados que também têm destaque na rotina
cultural local;
o sistema de comunicação único de
toque de sinos;
A
cidade dos sinos, como é conhecida, também foi escolhida por ser referência no
turismo de estudos e intercâmbio. A Universidade Federal de São João Del Rei
(UFSJ) foi considerada uma forte aliada,
pela tradição em apoiar essa prática.
São
João Del Rei integra o roteiro do circuito “Estrada Real Cultural”, juntamente
com Belo Horizonte e Tiradentes (em Minas Gerais), Parati (no Rio de Janeiro),
São Luís do Paraitinga e Cunha (em São Paulo).
Principais festas e
eventos
Serenata Natalina: Anualmente, em dezembro. Durante dois dias, um grupo
toca em diversos pontos da cidade. Em diversos pontos da cidade.
Carnaval: Anualmente, em fevereiro ou março. Festa popular. No centro da
cidade.
Festa do Divino: Anualmente, em junho. Encontro de congadeiros de Minas
Gerais. Na Matriz do Senhor Bom Jesus de Matozinhos.
Procissão de Nossa Senhora do Carmo e Novena: Anualmente. Festa popular.
Na Igreja Nossa Senhora do Carmo.
Festa de Nossa Senhora da Boa Morte: Anualmente. Festa popular. Na Catedral
Basílica de Nossa Senhora do Pilar.
Festa de Nossa Senhora das Mercês: Anualmente. Festa popular e religiosa.
Na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar.
(Festa em homenagem à santa atrai milhares de devotos todos os anos – Foto Gazeta, extraída de http://www.gazetadesaojoaodelrei.com.br/site/2014/09/n-senhora-das-merces-e-celebrada-por-fieis/)
Festa de Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Maria Santíssima: Anualmente.
Festa religiosa. Na Igreja de São Francisco de Assis.
Comemorações do Aniversário da Cidade: anualmente, em 8 de dezembro, comemora-se
a fundação da cidade em diversos pontos da cidade.
Festa de Nossa Senhora do Rosário e Natal: Anualmente, em dezembro. Festa
religiosa. Na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Anuário Musical São João Del Rei: Anualmente, em julho e agosto. Evento
musical. Nas ruas e Igrejas da cidade.
Semana Santa: Anualmente, em março ou abril. Evento religioso. Diversos pontos
da cidade.
Inverno Cultural da UFSJ - São João Del Rei: Anualmente, em julho. Evento
cultural.
A cidade é famosa pelo artesanato em estanho. Há também esculturas de
madeira, peças em tear como colchas, mantas para sofá, tapetes e cortinas. Em
Coronel Xavier Chaves as mulheres retomaram a tradição dos abrolhos, tipo de
renda trançada com as mãos, produzindo toalhas de bandeja, panos de prato e
outros produtos. Há ainda a produção de cachaça e artesãos que produzem
trabalhos em pedra-sabão.