segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Elis – para a ampliação de uma escuta comum de música

(Texto/resenha originalmente escrito como piloto de programa de rádio educativa).

(por Magno Córdova

Na abertura do seu livro intitulado “História e Música”, o professor e pesquisador paulista Marcos Napolitano afirma que há um lugar privilegiado para se pensar a história sociocultural do país. Neste lugar, seria possível encontrar a tradução dos dilemas e a veiculação das utopias sociais que formam o nosso mosaico nacional: trata-se da música popular realizada no Brasil.

Para Napolitano, ser brasileiro e falar português representa uma vantagem em relação às outras nações quando o assunto é música popular, já que somos – sem nenhuma dúvida – uma das grandes usinas sonoras do planeta. Assim, o privilégio está não só em ouvir música, mas também pensar a música. E não apenas pensar a música brasileira, mas pensar e repensar o mapa mundi da música ocidental a partir desse mosaico que compõe a nossa música popular.

                Ao longo do livro, Napolitano oferece análises que justificam esta sua primeira e essencial afirmação, mostrando como se constituiu ao longo da experiência histórica brasileira uma determinada forma musical; e de que maneira esta forma musical se configurou como um campo de estudos na atualidade. O autor mostra, portanto, que a música popular feita no Brasil pode e deve ser tomada como objeto para se pensar a sociedade e a história do país.

                Um dos pontos centrais da reflexão de Napolitano diz respeito ao problema de como se processa a recepção da informação cultural, neste caso, de como os ouvintes de música popular recebem e se apropriam das informações transmitidas pela música. Segundo ele, devemos considerar que todos os ouvintes são receptores: tanto os chamados “ouvintes comuns” (que ele chama de receptor-fruidor), como os compositores e músicos profissionais (chamados receptores-criadores).

Napolitano sugere que seja feita a revisão de uma certa imagem - tornada clássica - sobre a esfera da música popular, onde normalmente estes dois blocos de receptores são tratados isoladamente. Para ele, “mesmo sem conhecimento técnico, o ouvinte da música popular possui dispositivos para dialogar com a música”. Ele não é componente de uma massa de teleguiados, de um bloco coeso, de um agrupamento caótico de indivíduos irredutíveis em seu gosto e sensibilidade. Por sua vez, o compositor ou músico profissional é, em certa medida, um ouvinte, e sua “escuta musical” é fundamental pra sua própria criação.

                O exemplo que Napolitano toma para ilustrar sua análise é o de Elis Regina. Quando apareceu para o grande público com sua voz expressiva e potente, por volta de 1965, Elis causou um certo mal-estar nos círculos bossanovistas mais radicais. Revelando um outro leque de escutas pessoais (a influência do bolero dos anos 50, por exemplo), como também o dado de seu surgimento vinculado a uma mídia específica (a TV) e, ao mesmo tempo,  reivindicando para si a tradição da bossa, Elis abalou a estrutura de audiência de música popular no Brasil. Ela ampliou o público da música popular ao incorporar novos segmentos socioculturais cujo gosto não havia sofrido, de maneira mais profunda, o impacto da bossa nova. Elis trouxe para a audiência, ou para a estrutura de recepção da música brasileira “moderna”, um público mais ligado ao rádio e ao samba-canção.

                Deste processo teria surgido, ainda segundo Marcos Napolitano, a moderna MPB, que em fins dos anos 60 tornou-se uma verdadeira instituição cultural brasileira. 


Elis canta “Reza”, de Edu Lobo e Ruy Guerra, faixa que abre o disco “Samba – eu canto assim”, de 1965 ( vídeo extraído do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=GK1kJTzatdM). 

Por amor andei, já
Tanto chão e mar
Senhor, 
Já nem sei
Se o amor não é mais
Bastante pra vencer 
Eu já sei o que vou fazer
Meu Senhor uma oração
Vou cantar pra ver se vai valer

Laia ladaia sabatana Ave Maria
Laia ladaia sabatana Ave Maria

Ó meu santo defensor
Traga o meu amor

Laia ladaia sabatana Ave Maria
Laia ladaia sabatana Ave Maria

Se é fraca a oração
Mil vezes cantarei

Laia ladaia sabatana Ave Maria
Laia ladaia sabatana Ave Maria

Livro de referência: 

História e música – história cultural da música popular / Marcos Napolitano. – Belo Horizonte: Autêntica, 2002. 120 p. (Coleção História e... Reflexões, 2)  

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