segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

CELEBRE A ALEGRIA TOCANDO TAMBOR, LEVANDO A BANDEIRA DA REVOLUÇÃO

(por Magno Córdova)

(Capa do disco Baile das pulgas, de Marina Machado, lançado em 1999)

Em Minas, talvez mais do que em outros grotões, bagaceira é palavra que nos leva pro engenho, pro bagaço de cana, pra cachaça.
A relação é imediata e se desdobra: trabalho no engenho é mão escrava, mão escrava é tambor, tambor é candombe, coisa de ancestralidade conga por aqui instalada.
O século XX cristão dava seus suspiros finais quando surgiu entre montanhas um trabalho prenunciando em consolidação – reconsolidando, retraduzindo à sua maneira - o que havia de permanecer como código de herança musical inscrito em seu calcanhar, o do sopé da montanha, sua estrutura.
Ecoara, quase que simultaneamente, o cântico do grão-mestre contemporâneo de geração matriz motriz precedente, o artista de Mil Tons e seus tambores locais nunca dantes tão explicitados.
Entretanto, foi no surpreendente e vibrante registro de “Bagaceira” (e aqui me refiro ao registro de estúdio), do primeiro solo da jovem Marina Machado - aquele do Baile das pulgas - que esse “engenho novo” que é o industrial da cultura processou e se rendeu ao sumo de Tambolelês e Tizumbas dialogando com aquela que havia sido a sua geração mais esbranquiçada da década antecedente, associada ao rock. No entanto, deixando ilesas as estruturas de candombes, catupês e congos na voz de Dona Maria das Mercês, a mesma que no texto de Casa Aberta toca tambor.
“Bagaceira” é de Flávio Henrique em parceria com Chico Amaral, mestiçados e mestiçando em reciprocidade o que as gritantes diferenças sociais nesse nosso solo de nação impedem, transformam em nó. Se soa singelo, romântico e ingênuo, em “Bagaceira” a linha com o nó é reta e lisa. O nó não há. Desata e desacata a autoridade e o autoritarismo que transforma a diferença em penar, em destino apartado. Diria que nela a harmonia se dá em conflito, por isso aturde almas.
Não por acaso essa música entrou no programa piloto do Aldeia Do MUNDO. Ali, numa perspectiva comparativa mais ampla, “Bagaceira” se irmanou com “Candeeiro encantado”, de Lenine e P. C. Pinheiro, representantes de trabalhos tomados como dos mais representativos – a partir de seus estados de origem – dos caminhos da canção brasileira naquele momento
No caso de “Bagaceira”, a alegria toca tambor. E a bandeira é revolucionária.
Canta pra nós, Dona Mercês!
Canta, Marina!
Diga lá, Flávio!

(o áudio com o referido registro de "Bagaceira" pode ser conferido no arquivo do Programa Piloto Aldeia Do MUNDO, produzido pela Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, e retransmitido pela RTF - a rádio lusófona, da cidade do Porto, em Portugal. Ela se encontra no primeiro bloco da edição, entre os tempo de 7:27 min e 11:40 min. É só clicar aqui: http://tfmedia.pt/podcast/aldeia-do-mundo-171017/ )
Companheiro de terra e ar
Companheiro de guerrear
Companheiro acorda
Tô falando desse berimbau
Quebre a sua televisão
Deixe o automóvel na garagem
Arranje um amor um só de cada vez
Leia algum grego todo dia
Vê se mora na Filosofia
Que o homem precisa é de Filosofia
Depois vem a arte e algum prazer
Que tenha cor pura do entardecer
Celebre a alegria
Tocando tambor
Em nome dos Deuses
O nome que for
Tá tudo ferrado
E eu tô com você
Levando a bandeira da Revolução
Na ribeira, na vila, naquela ladeira
Nas águas do mangue, nos pés da mangueira
Tá tudo o de sempre e eu quero saber
Quem já desistiu, quem vai comparecer
Surfaremos na superfície
Antenas ligadas pro que já se disse
Do osso ao foguete a marcar da bondade
Se oculta nas sendas da humanidade

(imagem extraída a partir de vídeo do Youtube com a apresentação da
"
Festa do Candombe no Quilombo do Açude [Serra do Cipó - MG] - [14/09/2013]")

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