quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Parque Nacional da Serra da Capivara - Patrimônio Mundial (UNESCO, 1991)

Abro aqui uma exceção quanto ao conteúdo proposto por esse blog que originalmente publica textos cujo objeto norteador é a música. 

O material a seguir é parte das informações por mim organizadas na condição de consultor em projeto intitulado  Promoção da diversidade e do diálogo intercultural entre o Brasil e o exterior por meio do turismo cultural, realizado em 2010, para o Ministério do Turismo, através da Embratur.

A iniciativa de torná-lo público foi motivada tendo em vista a situação político-administrativa atual (agosto de 2016) do Parque e da Fundham, criada para preservá-lo. 

As informações nele contidas, portanto, devem ser consideradas no contexto do ano em que o projeto foi realizado.
(por Magno Córdova)


Parque Nacional da Serra da Capivara - Patrimônio Mundial (UNESCO, 1991)



(Imagem extraída do endereço http://www.fumdham.org.br/ . Acesso em 24/08/2016)


Definição 

Área de proteção ambiental permanente que possui importante patrimônio em sítios arqueológicos. Inspirou a criação no local do Museu do Homem Americano. Suas grutas e tocas apresentam diferentes estilos de pintura e gravura rupestre e há circuitos de visitação a outras formações geológicas do semiárido, clima típico do Nordeste brasileiro.

Localização

Está localizado no sudeste do estado do Piauí e o principal município a que pertence é São Raimundo Nonato. Os outros são Brejo do Piauí, Coronel José Dias e João Costa. O ponto de referência para acesso ao parque é a cidade pernambucana de Petrolina, a 350 km, onde há aeroporto que opera com voos regulares. Dessa cidade e também de Teresina, que fica a 510km, saem ônibus para São Raimundo Nonato. Agências de viagens especializadas em ecoturismo costumam oferecer pacotes completos para visitas à Serra da Capivara.

Melhor época para ir

De dezembro a junho, quando as temperaturas locais são mais baixas. Fica aberto diariamente das 7h às 17h, durante todo o ano.
É obrigatório obter autorização do Ibama-PI e contratar um guia cadastrado pelo Ministério do Meio Ambiente. O percurso aberto à visitação possui 22 sítios arqueológicos com escadas de acesso, passarelas e sinalização.

Características gerais

O Parque Nacional Serra da Capivara reúne a maior coleção de desenhos rupestres do mundo, com cerca de 30 mil pinturas catalogadas. Está situado na região semi-árida do Nordeste do Brasil, na fronteira entre o sertão nordestino e a floresta amazônica. Apresenta dois períodos climáticos ao longo do ano: um de seca e um chuvoso. O relevo atual se formou há cerca de 240 milhões de anos. Um levantamento da placa do estuário marítimo que ocupava a região onde hoje está situado o parque forma uma cuesta. A cuesta representa uma fronteira entre a planície pré-cambriana do rio São Francisco e a formação sedimentar do período permiano-devoniano da serra. A diferenciação das rochas que formam a serra e a ação do tempo modelaram o relevo com formas e cores variadas.

Mais de 700 sítios arqueológicos foram mapeados no Parque Nacional e na área de proteção permanente. A maioria é formada de abrigos sob rocha. As pinturas dominantes são de caráter narrativo, retratando cenas da vida cotidiana e cerimonial. Seu conjunto forma um sistema gráfico de comunicação entre aqueles povos. É possível ao visitante observar a permanência temática dessa arte, tradição cultural que perdurou aproximadamente 12 mil anos. Ao mesmo tempo, faz-se notar uma evolução estilística na composição das cenas, através das variações na técnica de desenho e pintura. Há diversos vestígios deixados pelo homem pré-histórico nos sítios arqueológicos espalhados pelos 130 mil ha de área do parque, com galerias de vários andares, cobertas por pinturas e gravuras rupestres.

O parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO, em 1991. Está estruturado para receber a visita de diversos públicos. Há trilhas e sítios com graus diferenciados de dificuldade de percurso, conforme a disponibilidade de tempo e o condicionamento físico do visitante. Possui trilhas por desfiladeiros e sobre as cadeias de montanhas da serra local. Há 14 trilhas turísticas que permitem a visita, com segurança, a mais de 100 sítios de pinturas rupestres. Uma delas fica a menos de 200m do receptivo do parque e traz mais de 3 mil registros desses desenhos, podendo ser visitada por turistas da melhor idade.

Um projeto social vinculado ao parque é desenvolvido pela Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano). As pinturas rupestres inspiram a produção cerâmica da fábrica mantida pela fundação. O projeto é autossustentável e visa capacitar a mão de obra surgida com a proibição da caça de animais selvagens na região. A produção da fábrica atende a mercados internos como São Paulo e externos como a Itália. A Fumdham é cogestora do Parque Nacional Serra da Capivara em parceria com o Ministério do Meio Ambiente.

Os visitantes têm três opções de hospedagem: Pousada Hotel Serra da Capivara (fica em São Raimundo Nonato, de propriedade do Governo do Piauí. Cedida à Fumdham, sua operação é terceirizada. Possui loja com produtos relativos à Serra da Capivara), Camping do Sítio do Mocó (próximo ao Centro de Visitantes do parque. Aluga e oferece espaço para barracas e tem restaurante que oferece alimentação sob encomenda) e Albergue Estudantil Barreirinho (a 4km da principal entrada do parque, com diárias que incluem refeições).

Atrativos Específicos

Circuitos:

Entre as atrações do Parque Nacional da Serra da Capivara, destacam-se os seguintes circuitos: Coronel José Dias, Toca do Pajaú, Circuito do Veadinho Azul e Baixão da Vaca pelo Desfiladeiro da Capivara, Baixão da Vaca II e III, Toca da Saída, Paredão dos Veadinhos, Toca do Neguinho Só, Baixão da Vaca I, Projeto Social – Cerâmica, Sítio do Mocó, Fundo do Baião da Pedra Furada, Vista Panorâmica Caldeirão do Rodrigues, Toca do Rodrigues II, Canoas III, Canoas I e II, Baixão das Andorinhas, Toca de Cima do Pilão (caverna iluminada com energia solar), Vista Panorâmica da Serra Talhada, Trilha do Hombú (interpretativa), Toca da Martiliana, Toca da Pedra Furada, Toca da Invenção (pinturas brancas), Toca da Boca do Sapo, Visita ao Camping, Toca dos Coqueiros (Zuzu), Baixão das Mulheres II, Baixão das Mulheres I, Travessia do Alto da Pedra Furada, Gruta do Alto da Pedra Furada, Centro de Visitantes do Parque, Toca do Boqueirão da Pedra Furada, Pedra Furada e anfiteatro, Toca do Cajueiro, Toca do Sítio do Meio, Toca do Boqueirão da Pedra Furada (iluminação noturna).

Baixão das Andorinhas:
Local onde se observa grande quantidade de aves dessa espécie recolhendo-se para seu abrigo noturno: uma gruta situada no alto de um desfiladeiro.

Centro de Visitantes:
Centro de apoio ao público, com lanchonete, auditório para apresentação de vídeos, loja com produtos Serra da Capivara, cerâmica, postais, livros etc.

São Raimundo Nonato:
Em São Raimundo Nonato, a Fumdham desenvolve o projeto social da fábrica de cerâmica da Serra da Capivara e. gerencia o Museu do Homem Americano e o Centro Cultural Sergio Mota, onde são desenvolvidas pesquisas científicas. As descobertas feitas na área levaram arqueólogos a acreditarem que o homem teria habitado o continente americano há mais de 30 mil anos, contrariando as teorias mais aceitas pelos cientistas. O museu conta a história da evolução do homem e tem em seu acervo os achados arqueológicos do lugar: ferramentas em pedra, restos de cerâmica, vestígios de fogueiras, de sepultamentos, esqueletos fossilizados de grandes animais pré-históricos. Deve ser visitado no primeiro dia de estadia em São Raimundo Nonato, como forma de orientação aos roteiros e percursos internos do parque.

OBS: Só é permitida a entrada no Parque Nacional acompanhado de guia oficial. No hotel em São Raimundo Nonato obtém-se orientação sobre a contratação do guia. O parque fica a aproximadamente 40km de distância da cidade. O visitante pode se deslocar em condução particular ou contratar transporte junto ao próprio guia. Não existe sistema regular de transporte para o parque. Os guias são formados pela Fumdham. Existem normas de conduta relativas ao parque, cujo objetivo é educar o visitante e auxiliá-lo na preservação do patrimônio. A Fumdham possui publicações bilíngue e trilíngue relativas ao parque.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Vander Lee

(por Magno Córdova)

A primeira vez que vi Vander Lee no palco ele ainda era Vanderli Natureza. Seu nome assim grafado já era do meu conhecimento através de cartazes anunciando uma ou outra apresentação em bares e espaços mais alternativos de BH em fins dos anos 80.
Em 1990, se não me engano, fui convidado para ser jurado no Festival da Canção de Abre Campo, cidade mineira da Zona da Mata, situada a aproximados 200 km da capital. A desenvoltura com que Vanderli subiu ao palco e o belo número por ele defendido não me deixaram dúvidas de que ali havia um forte candidato ao primeiro prêmio daquele concurso.
Vanderli não venceu o festival, ficou com o segundo ou terceiro lugares o que, de certa forma, me decepcionou, dentre os demais companheiros do juri que optaram por outros candidatos. Chamo atenção para o fato de que havia gente muito boa concorrendo, inclusive um compositor que além de muito talentoso era meu amigo pessoal. No entanto, era indiscutível a superioridade do conjunto entre texto, melodia e desempenho demonstrados por Vanderli.
Ao longo da década de 90, sempre que me deparava com o nome dele - grafado ou não como daquela primeira forma - ficava atento, na expectativa de coisa boa de se ouvir. Não me decepcionei.
A consolidação veio com "No balanço do balaio", de 1997, colocando-o em definitivo dentre o que de melhor estava acontecendo na cena musical local.
Ficou, mais ou menos desse período de passagem de séculos, um registro que creio ter sido aquele que reafirmou seu ingresso para fora dos limites do território de seu estado natal: em seu terceiro disco, "Comigo", gravado em 2001, a maranhense Rita Ribeiro registrou duas canções de Vander Lee: "Românticos" e a que se segue, "Contra o tempo", que não parou de soar em meus ouvidos nos anos subsequentes ao seu lançamento e de minha saída do território mineiro.
Era, mais uma vez, Minas redimensionada no território brasileiro - neste caso, sob a batuta de uma ginga maranhense - que eu precisava levar comigo.
Até que ele ganhasse visibilidade com sua própria voz por todo canto, o que não tardou a acontecer.
Corro contra o tempo pra te ver
Eu vivo louco por querer você
ÔÔ, morro de saudade a culpa é sua
Bares, ruas, estradas, desertos, luas
Que atravesso em noites nuas
ÔÔ, só me levam pra onde está você
O vento que sopra meu rosto cega
Só o seu calor me leva
ÔÔ, de uma estrela pra lembrança sua
O que sou, onde vou, tudo em vão
Tempo de silêncio e solidão
O mundo gira sempre em seu sentido
E tem a cor do seu vestido azul
ÔÔ, todo acaso finda em seu sorriso nu
Na madrugada uma balada soul
Um som assim meio rock n' roll
ÔÔ, só me serve pra lembrar você
Qualquer canção que eu faça tem sua cara
Rima rica, jóia rara
ÔÔ, tempestade louca no Saara
O que sou, onde vou, tudo em vão
Tempo de silêncio e solidão


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Pernambuco falando pra mim (e pra quem quiser ouvir).

(por Magno Córdova)

Quem acompanha o trabalho de Lenine desde o disco Olho de Peixe (com Marcos Suzano, lançado em 93) ouviu dizer, desde lá, de um poeta Recifense chamado Carlos Pena Filho: “... Eu sou um verso de Carlos Pena Filho/ Num frevo de Capiba/ Ao som da Orquestra Armorial...”, diz alguns dos versos de “Leão do Norte”, canção feita em parceria com Paulo César Pinheiro, cujo título alude e homenageia expoentes da cultura do estado natal do cantor/compositor.

Por sua vez, quem conhece a trajetória de Alceu Valença ouviu versos de Pena Filho musicados por ele - também pernambucano, de São Bento do Una - desde seu disco Coração Bobo, que é de 1980.

O poeta Carlos Pena Filho faleceu no mesmo 1º de julho em que Alceu Valença completou 14 anos de idade. O ano era 1960 e Pena Filho morreu precocemente, aos 31 anos. Consagrou-se no universo da canção através de parceria justamente com o mestre Capiba. Pena Filho não chegou a ver as canções de seus versos ganharem projeção pública. E sequer chegou a conhecer alguns dos seus versos em forma de canção.

Solibar

Versos de Carlos Pena Filho
Música de Alceu Valença

Seis dos pingos da goteira
Batucando no passado
E sei que as cinzas da fogueira
não recomporão os galhos
Dia sim e dia não
Dói a minha solidão
Eu tô ficando aperreado

São trinta copos de chopp
São trinta homens sentados
Trezentos desejos presos
Trinta mil sonhos frustrados
No bar 'Savoy' na Sertã
No 'Luna' bar no Leblon
Vejo a tristeza do gado







(Acima, à esquerda, "Rosas Azuis", quadro da viúva Tânia Carneiro Leão, baseado em "Soneto", de Carlos Pena Filho, poema que diz: "Por seres bela e azul e improcedente/ é que sabes que a flor o céu e os dias/são estados de espírito somente,/como o leste e o oeste, o norte e o sul./ como a razão por que não renuncias/ao privilégio de ser bela e azul". À direita, quadro "A mesma rosa amarela", de Tereza Costa Rego, baseado no poema de mesmo nome)

A atualização da poesia musicada em textos de Carlos Pena Filho evidencia-se nessa gravação mais recente de "A mesma rosa amarela", que já fora gravada por inúmeros intérpretes, gente feito Maysa ou Nelson Gonçalves, por exemplo. O registro  aqui encontra-se no primeiro disco de Junio Barreto, lançado em 2004, e foi incorporado à trilha do filme Deserto feliz, de 2007. 


A mesma rosa amarela

Versos de Carlos Pena Filho
Música de Capiba

Você tem quase tudo dela
O mesmo perfume
A mesma cor, a mesma rosa amarela
Só não tem o meu amor
Mas nestes dias de carnaval
Você vai ser ela
O mesmo perfume, a mesma cor
A mesma rosa amarela
Mas não sei o que será
Quando chegar a lembrança dela
E de você apenas restar
A mesma rosa amarela
A mesma rosa amarela

Legenda e imagens de “A mesma rosa amarela” e “Soneto” extraídas do portal vermelho: http://www.vermelho.org.br/noticia/142737-1

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Convoco músicas, canções,...

(por Magno Córdova)

...porque elas chegam a mim e me tomam de assalto.


Não sou de reagir a assaltos. Muito menos desse tipo. Até mesmo porque, a experiência tem mostrado que os desdobramentos dessas situações de escuta tendem a me convencer de que sigo por um rumo certo. Não o único, claro, mas certo caminho. Certo no sentido de que a canção passa de uma possibilidade de saber disponível, inerente na origem de tudo, para uma condição cada vez mais pertinente e desejável de instrumento que altera rotas, preenche vazios, revolve certezas e consolida convicções.


Por isso essa fala conduzida, conduzida consciente e que se faz e se quer crítica. Que faz dar o salto de ida, feito a língua que um almeja, e o de volta, feita a mulher do outro, que coincidem em mim, em um reconhecimento de paternidade/maternidade (ou seria fraternidade?) - dentre inumeráveis - que não há de se negar e que, por si, se justifica.

Não falo inglês nem francês; não falo bizantino nem hebraico. Falo esse canto que, no muito, é esperanto quase esperança, que não perde extensões de sua latitude, por ser uma fala que, aparentemente unívoca, abrange sem se querer totalista, porque inesgotável.


Aciono música, canções, e não penso numa existência que não seja assim, com cada um buscando sentido e autonomia para escolher o instrumento que lhe apetece. Canção também pode ter esse papel, esse significado.

Escolho música! E reagir a seus assaltos seria negar o que sempre esteve e que se afirmou como opção. Se assim fosse, com resistência, estaria a negar a própria natureza e a minha inserção nela, natureza.
Seria, assim, diga-se, uma etnia comum, na sola do pé descalço seu pigmento matriz. Chão.


Opto por música, por canções, como decisão particular que redimensiona o corpo, que o coloca no mundo. Abriga, assim, uma dupla função: a canção permite percorrer o lugar que povoo e que também é o lugar onde o outro habita.  Daí que desponta sua dimensão coletiva. Sou uma isca cada vez mais fácil e, a cada escuta, mais exigente neste campo.

Exijo canções e música e texto e poesia e sou eu que decido o que fazer com eles e com elas e por eles e por elas.


Leio o mundo como um repertório que encontra na palavra, soprada por qualquer sopro, um vento vindo do itinerário do peito, do profundo mistério, um bom veículo.

E embarco.