sábado, 16 de janeiro de 2016

O dia em que Nat King Cole atravessou o Jequitinhonha (13 de janeiro de 1965).

(por Magno Córdova)


Enquanto a mãe baiana dava à luz seu décimo filho, vindo das mãos do médico cearense (!),  naquele rincão onde ambos haviam se radicado com suas famílias, em "parto artesanal" - como tudo do lugar; enquanto o parto era realizado no segundo dos dois quartos anexos à sala de estar do 72 da rua dos Caetés; ali, na própria sala de estar, rolava na radiola um disco long-play intitulado A mis amigos.

Pela janela afora do quarto, a Cangalha que, se não é a mais linda, passou a ser "a Serra".


(Através da janela, de dentro do quarto, a Serra da Cangalha. 
Foto extraída de https://madeinrubim.wordpress.com/hidrografia/paraiso/)

O berro primal soou, então, como um duo ou backing-vocals entre menino e artista do disco.

Era Nat King Cole que, entretanto, já era familiar aos ouvidos da criatura que nascia, desde o útero. Sua mãe não era apenas uma fã monossilábica do artista: era fa-ná-ti-ca, com todas as letras - como que antecipando aquilo que posteriormente veio a se chamar tiete -, pelo artista norte-americano. Quase que uma "macaca de auditório", se houvesse algum auditório por perto. O que fazia de Nat King Cole, em certa medida, um soteropolitano (ou seria um "Caboclo do rio", do rio Jequitinhonha?).

Mas não havia auditórios que comportassem, no Jequitinhonha, figuras daquele porte: havia vitrolas, onde tocavam discos vindos de fora da província; havia as capas dos discos, que eram telas indispensáveis na construção imaginária da vida e da personalidade do artista;  e havia, antes de tudo, o rádio, objeto de fascínio e invasão permissiva.

(Capa e contracapa do LP A mis amigos, de Nat King Cole, gravado em 1959)

No extremo disso tudo, o risco do exagero de pensar num equívoco da natureza, da criação, no interior daquele processo de gestação de um novo ser: ele deveria ter nascido neguinho ou, como sua própria mãe dizia, caboverde. Um negro caboverde, feito o futuro amigo Zu (não o Cabeção, filho de Jóvi e Preto, da infância; mas o da capital, do menino já adulto). Pois foi também quase adulto que se esclareceu ao menino o enigma em torno daquele nome que, antes atribuído às pessoas de pele preta nascidas na faixa de mapa que ia do México à Colômbia e Venezuela, abrangendo todo Caribe, encontrou sua origem real, indício da profusão de cores, nomes e falares perpetrados pela mais cruel diáspora: o arquipélago do continente africano.

"Ay cosita linda", sim! Vasta cabeleira negra mostrando ao mundo, após o berro inaugural, seu sorriso de gengivas, em resposta ao prazer luminoso da canção. Aliás, mais que outra coisa, ao veludo vocal que norteava todo o disco. Era a retribuição às boas-vindas via ouvido, primeiro sentido formalmente acionado em torno de uma suposta casualidade, da circunstância que diz respeito à experiência pessoal, marca individual, sem que os presentes e o pequeno vivente sequer soubessem ou pensassem no que se instalara do ato até o parto. Um processo, como muitos, só que cerzido no som e pela música que o som organiza. Exercício que se reafirmaria ao longo da primeira infância naquela cidade de interior; que, posteriormente,  com outra diáspora, agora local, se consolidaria na cidade grande, pra onde sua família se viu obrigada a seguir; e até adiante, até não se sabe onde. 

Eram e foram as condições de iniciação da escuta musical e seus desdobramentos no aqui e agora. Ou, ao menos, uma delas, involuntariamente ativada desde o início, perceptível e encrustada: a escuta. Era a cama/útero sem a amarra do cordão materno, mas forrada por quem era sua portadora.

Assim, às vezes, me busco.
Assim me encontro!



Capullito de alelí
(Rafael Hernández)


Lindo capullo de aleli 
Si tú supieras mi dolor 
Correspondieras a mi amor 
Y calmaras mi sufrir 

Porque tú sabes que sin tí 
La vida es nada para mí 
Tú bien lo sabes Capullito de aleli 

No hay en el mundo para mí 
Otro capullo de alelí 
Que yo le brinde mi pasión 
Y que le dé mi corazón 
tú solo eres la mujer 
A quien he dado mi querer 
Y te brindé lindo alelí 
Fidelidad hasta morir 

Por eso yo te canto a tí 
Lindo capullo de alelí 
Dame tu aroma seductor 
Y un poquito de tu amor
Porque tú sabes que sin tí 
La vida es nada para mí 
Tú bien lo sabes Capullito de alelí

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