domingo, 24 de janeiro de 2016

Paulinho da Viola: de letra

(por Magno Córdova)

A palavra é Paulinho. 
Paulinho da Viola.
Pra dizê-la, João invoca! 
João evoca!
João invocado.
João de Cabeça de Nego
João, como um João qualquer
João de sangue afro-tupi
A palavra Paulinho baixa 
na mesma oca
No chão da taba
Do terreiro
Na boca
(Aqui, João, ímpar! Paulinho lá!
Extraído do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=lPGo171UliA)

Cabeça de nego
(João Bosco) 

Cacurucai eu tô
Perrengando tô
De Aniceto é o jongo
Ô Donga Sinhô
O Sinhô Donga
É Gagabirô
Gagabirá
Ô zimba cubacubá
Ô zimba cubão
Zimba cubacubá
O zimbacu
Ô João da Bahiana!
Ô Candeia!
Ô Ya Quelé Mãe
Ô Mãe Quelé Mãe
Ya Quelé Mãe
Ô Clementina!
Ô Yaô Pi
Ô Piaô Xi
Yaó Xi
Ô Pixinguinha!
Ô Batista de Fá
Ô ária de Bach
Choro de Paulo da Viola!
Ô zimba cubá
Ô zimba cubão
Silas de Oliveira Assumpção!

Elifas Andreato retrata em tela a temática musical de Paulinho

Paulinho é de 42, mesmo ano de Gil, de Caetano, de outros tantos.
O pai de Paulinho, César, era violonista, tocava no Época de Ouro e chamava os amigos para tocar em casa.
O menino treinou seu ouvido ouvindo em sua casa o pai, Pixinguinha, Jacob e outros desse time de onças.
Mas o pai de Paulinho não queria o filho músico ("perguntou-me se eu queria estudar filosofia, medicina ou engenharia. Tinha eu que ser doutor"). 
Mesmo assim, o rapaz se envolveu de tal forma com a música e o samba que foi lá pra Jacarepaguá reunir gente e sambar, tocar cavacos e violões. Compor.

(extraído do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=LgyhLaSog0g)

A voz do morto
(Caetano Veloso)

Estamos aqui no tablado
Feito de ouro e prata
E de filó de nylon

Eles querem salvar as glórias nacionais
As glórias nacionais, coitados

Ninguém me salva
Ninguém me engana
Eu sou alegre
Eu sou contente
Eu sou cigana
Eu sou terrível
Eu sou o samba

A voz do morto
Os pés do torto
O cais do porto
A vez do louco
A paz do mundo
Na Glória!

Eu canto com o mundo que roda
Eu e o Paulinho da Viola
Viva o Paulinho da Viola!
Eu canto com o mundo que roda
Mesmo do lado de fora
Mesmo que eu não cante agora

Ninguém me atende
Ninguém me chama
Mas ninguém me prende
Ninguém me engana

Eu sou valente
Eu sou o samba
A voz do morto
Atrás do muro
A vez de tudo
A paz do mundo
Na Glória!

Paulinho ficou amigo dos grandes que o ouviam e o queriam por perto.
Foi parar em Madureira. Foi como compositor.
Começou a fazer canções na primeira metade dos 60.
Estudou contabilidade e trabalhou em banco, onde reconheceu, certa vez, Hermínio Belo em sua agência bancária.
Ficaram amigos e parceiros.
Conheceu Cartola por esse tempo também.

Acompanhou muita gente boa no Zicartola, ao cavaco ou violão.
Foi tocando com Zé Keti que este lhe incentivou a cantar suas próprias músicas.
Foi também Zé Keti, junto com Sérgio Cabral, quem acrescentou a seu nome artístico o "da Viola". Ficou!

Juntou-se a Elton, Nelson Sargento, Nescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Zé da Cruz, Oscar Bigode (seu primo, que já o havia levado para a Portela, após Jacarepaguá).
Juntou-se, em morada, a Capinam, Gil, Caetano e mais outros tantos, quando foi pro Solar da Fossa, em 65
(Batatinha, um mestre do samba de Salvador. Extraído do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=JXOth-JRoRs)

Ministro do samba
(Batatinha)

Eu que não tenho um violão
Faço samba na mão
Juro por Deus que não minto
Quero na minha mensagem prestar homenagem
E dizer tudo que sinto
Salve o Paulinho da Viola
Salve a turma de sua escola
Salve o samba em tempo de inspiração

O samba bem merecia
Ter ministério algum dia
Então seria ministro Paulo César Batista Faria (bis)

Paulinho canta, compõe, toca com elegância e simplicidade.

Impressiona que Paulinho tenha sido reverenciado não só pelos pares de sua mesma geração, posto sempre no patamar daqueles que o ensinaram na casa do pai, ainda pequeno.
Paulinho aparece contundente, indisfarçável, na homenagem feita por compositores reconhecidamente talentosos de outros nichos referenciais.

(Elza Soares, de Itamar, por Elza: Paulinho está aí.Extraído do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=VWG2dPI2GIY)

Elza Soares
(Itamar Assumpção)

Desde que me entendo por gente
Elza soares da vida
Das armas brancas, químicas quentes
Música é a preferida
Eu disse
Dar armas brancas, químicas, quentes
Música é a preferida

Desde que me entendo por gente
Eu sambo, eu faço o que gosto
My soul is black, meu sangue é quente
Eu quando gosto, me enrosco
Eu disse
My soul is black, meu sangue é quente
Eu quando gosto, me enrosco

Desde que me entendo por gente
Difíceis momentos tristes
Vivus vi veri vici noutros continentes
Eu sei que o amor resiste
Eu disse
Vivus vi veri vici noutros continentes
Eu sei que o amor resiste

Desde que me entendo por gente
Eu saquei que Jesus Cristo
Morreu na cruz por nós, inocentes
Pra provar que a vida é (*)

Desde que me entendo por gente
Carioca, carica, carnaval
Sol, futebol, mulher diferente
Mãe humanamente igual

Desde que me entendo por gente
Donga, Ataulpho, Cartola
Ari Barroso, Assis Valente
Mano Décio, Paulinho da Viola

([*] não foi possível decifrar o termo/palavra cantado por Elza, assim como não foram encontrados registros da letra original, nem na internet nem na própria Caixa Preta, em cujo encarte relativo ao CD que possui a música de Itamar não aparece o texto da canção na íntegra, tendo sido excluídas suas três últimas estrofes).

Paulinho é também cultuado pelas gerações que vieram na sequência do seu trabalho, assim como dos que vieram antes dele.
Não poderia ser de outro jeito.

Ele é um desses mediadores musicais sem brechas, que nos põe numa perspectiva muito mais longeva do que nosso tempo linear permitiria. 
Que ecoa tanto em sua própria voz o turbilhão informativo de quem fez - e dele próprio como fazedor - quanto nas vozes dos que o ouvem e o dão ensejo, projetando por todo lado o reconhecimento de sua generosidade artística!

Aliás, não impressiona!
Emociona!

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