(por Magno Córdova)
Deve ter sido em 1989 ou 1990.
Eu mal conhecia o Rio. Havia
tirado uns dias de férias e parti pra maravilhosa sozinho. Numa tarde após o
almoço, fui visitar o MIS e me encaminhei pra praça XV, onde fica sua sede.
Logo na entrada do edifício, busquei informações e ocorreu o seguinte diálogo
com a informante:
-
“Olha, isso que você está procurando fica lá no MIS da Lapa. Procure o ‘seu
Elto’ que ele irá te ajudar”, orientou-me a moça.
- E qual será a melhor hora pra falar com o
“seu Elto”?, perguntei.
-
“Ele está lá agora. Quer que eu ligue e informe que você irá procurá-lo daqui a
pouco?”.
-
Faça isso, por favor. Muito obrigado.
Rumei pra Lapa a pé, caminhante
apaixonado por aquele centro fascinante.
Anunciei-me na recepção do museu
na Lapa e foi-me indicada uma porta até onde eu deveria me dirigir ao encontro
do senhor Elto, que me aguardava. Quando abro a porta indicada, a surpresa: “Seu
Elto” era Elton Medeiros, ali, disposto a me ciceronear.
Uma tarde inteira no Museu da
Imagem e do Som da Lapa sendo “guiado” por Elton Medeiros não é uma coisa
comum para um “turista” mineiro meio acaipirado, pego no susto por uma
casualidade.
Elton é criatura iluminada também
como funcionário público, tanto quanto como melodista (dos melhores) e letrista/poeta!
Dedicou-se integralmente aos meus anseios de conhecimento, sem contar a riqueza
das histórias nascidas das perguntas mais banais que eu, um pouco tímido,
tiete maravilhado, o lançava. Ficou feliz e empolgado ao saber que eu sou
nascido no Vale do Jequitinhonha. Tinha conhecimento de causa do lugar,
admirador da arte em barro e tecelã realizada por gente minha conterrânea. "Uma gota de afinidade recíproca", lembro-me que pensei comigo, como forma até mesmo de disciplinar o fascínio pelo encontro. Ele quis e conseguiu me deixar à vontade e feliz com essa informação sobre o Jequitinhonha.
Quando Elton me sugeriu que eu conhecesse e levou-me aos Arquivos da Rádio Nacional, incorporados ao acervo do museu, encontrava-se ali o Chiquinho
Faria, irmão do Paulinho da Viola, um dos grandes pesquisadores e especialistas do patrimônio do MIS, a quem fui apresentado.
Tarde boa na cidade do Rio? Uma
benção!
Abaixo, fazendo jus ao inusitado do meu encontro com Elton no MIS da Lapa, uma música dele feita em parceria com Tom Zé, portanto, dentro do que comumente é chamado de fase pós-tropicalista do baiano de Irará, mas fora do nicho mais provável e imediatamente referenciado da produção musical do carioca da Glória, do Tupi de Brás de Pina, da Aprendizes de Lucas, Elton Medeiros.
"Tô" foi gravada no disco Estudando o samba, de Tom Zé, lançado em 1976, título que mais do que justifica a presença de Elton em seu contexto.
"Tô" foi gravada no disco Estudando o samba, de Tom Zé, lançado em 1976, título que mais do que justifica a presença de Elton em seu contexto.
Música: Tô
Composição: Elton Medeiros e Tom Zé
Tô bem de baixo pra poder subir
Tô bem de cima pra poder cair
Tô dividindo pra poder sobrar
Desperdiçando pra poder faltar
Devagarinho pra poder caber
Bem de leve pra não perdoar
Tô estudando pra saber ignorar
Eu tô aqui comendo para vomitar
Eu tô te explicando
Pra te confundir
Eu tô te confundindo
Pra te esclarecer
Tô iluminado
Pra poder cegar
Tô ficando cego
Pra poder guiar
Suavemente pra poder rasgar
Olho fechado pra te ver melhor
Com alegria pra poder chorar
Desesperado pra ter paciência
Carinhoso pra poder ferir
Lentamente pra não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar
Eu tô te explicando
Pra te confundir
Eu tô te confundindo
Pra te esclarecer
Tô iluminado
Pra poder cegar
Tô ficando cego
Pra poder guiar
No fim daquela jornada, voltando
pra casa de amigos em Botafogo, onde me hospedara, fiquei pensando na espontânea
e irretocável forma com que todos do MIS pronunciavam o nome de Elto e me lembrei de haver lido que, certa vez, Cartola teria
dito que há um “n” a mais e outro a menos em seu nome e no nome de Elton: é que
ele, Cartola, tem como nome de batismo “Angenor” e Elton é “Elto”.
Não faz diferença!
Ou faz?
Abaixo, o lirismo de Paulo César Pinheiro em pé de igualdade sob melodia de Elton, aqui mostrando sua faceta como intérprete cantor.
Música: A ponte
Composição: Elton Medeiros e Paulo César Pinheiro
Chora
Põe o coração na mesa
Chora
Tua secular tristeza
Tira o teu coração da lama
E chora
A dor santa e a dor profana
Que Deus protege a quem chora
Por toda tristeza humana
O homem é sempre só
O fim é sempre pó
Ninguém foge do nó
Que um dia a vida faz
Por isso chora em paz
Que a lágrima que cai
É a ponte entre mais nada
E outra vida mais
(E Deus protege a quem chora)
(A imagem anexada logo na sequência de abertura do texto é uma cópia de uma original feita por
mim na sala do Elton, naquela ocasião, com minha possante (!) Kodak (?): guarda visualmente a memória de um belo dia em companhia de um grande
cara!).
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