(por Magno Córdova)
("...este é o momento em que a região, antes naturalmente sedutora, se transforma numa profissional da sedução". Antônio Risério, "Uma teoria da cultura baiana"; in: O poético e o político).
No ano de 1981, o poeta e escritor José Carlos Capinam reclamava, em depoimento ao jornalista Valdomiro Santana, da descaracterização sofrida pela cultura popular na Bahia incentivada pela indústria do turismo. Segundo ele, era comum na cidade de Salvador e outras cidades turísticas daquele estado pegarem-se pessoas que sabiam cozinhar “caseiramente” deliciosos pratos típicos da região e treiná-las para fazer churrasco ou pizza em restaurantes que atendiam a classe média.
Sobre a perda da vocação natural do
espaço urbano como centro de convergência de idéias e convivência da criação,
Capinam apontava a tendência da Bahia em se identificar mais com o Rio de Janeiro
e São Paulo do que com as vizinhas regiões nordestinas. Era comum a cidade de
Salvador ser considerada pelo próprio povo nativo como uma colônia de férias
daqueles dois estados do sudeste, não havendo qualquer contato com Recife, João
Pessoa ou Fortaleza.
Se, por um lado, a reconquista dos valores tradicionais da
culinária baiana se intensificou nos últimos vinte anos anteriores à fala de Capinam, em outros aspectos
culturais o turismo no estado desenvolveu um aparato estrutural que lhe
permitiu certa independência e autonomia perante as outras regiões do país.
A música produzida na Bahia, em especial aquela vinculada ao carnaval local,
conquistou espaço na mídia nacional e internacional.
(com o término do grupo Novos Baianos, Moraes Moreira assumiu papel preponderante no reaquecimento do carnaval de rua da Bahia, mais ou menos no contexto em que se deu o depoimento de Capinam aqui mencionado. Seu trabalho musical pautou-se na reafirmação e retomada do prestígio dos trios elétricos, em particular o Trio Elétrico Dodô e Osmar).
Pessoal do aló
(Moraes Moreira e Antônio Risério)
Alô, Alô pessoal do alô
Vai ter auê, badauê, ebó
Chilique do cacique
No ponto chique
Atrás do cheirinho da loló
Mas qual é o pó?
Quem é do roçado
Ralando coco se dá melhor
Sou pena branca
Da zona franca
De Maceió
Vendendo peixe
Passando piche
Sou azeviche
Apache do tororó
Essa repercussão, longe de
melhorar as condições de vida das camadas populares em geral no estado,
reforçou o esvaziamento da cultura popular ali produzida ao dar destaque à
produção em massa em detrimento às manifestações folclóricas. Para Capinam, o
início desse processo de desvalorização da cultura popular se deveu a que nem
os intelectuais, representados pela universidade, nem o Estado ou a iniciativa
privada apresentaram projetos que contemplassem tais manifestações. O grande
equívoco desses setores foi terem considerado o folclore como sinônimo de
decadência cultural.
(podemos dizer que obras como a do compositor Roque Ferreira se situam entre as que recuperam, mantêm e ao mesmo tempo renovam elementos do que Capinam chama de folclore, como o samba de roda do Recôncavo. Roque surgiu para o público em fins dos anos 70. Vídeo extraído do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=cUdUcRme-oY)
Aguadeira / Saubara
(ambas em parceria Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro)
Lá vem a aguadeira
Quer água de cheiro só
Água de cheiro só
Lá vem aguadeira
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
É de fibra de palmeira
A rudilha apoiada em seu anzol
Dentro da pilha dessa aguadeira
Tem água de cheiro
Que vem da ribeira
Água do itororó
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
Aguadeira do meu lado
Tá sambando sem receio
Se não fosse esse seu namorado
E meu amor ali no meio
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
Aguadeira quando samba
Meu amor não quer que eu vá olhar
É que nem lavar a roupa sem molhar
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
Quando ela arria o pote
Sem perder o bamboleio
É aí que seu decote revela
O botão do seio
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
Quando ela samba
Roda a renda de cambraia
E aparece a perna grossa
Por baixo da roda da saia
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
Vá no Bonfim
Que a Aguadeira tá lá
E a água além de perfumar
Carrega quebranto pesado e mágoa
E a água molha da aguadeira o camisu
Seu corpo quase fica nu
Com a água
Ave maria, meu Deus
Ave maria, meu Deus
Cira cirandeira
Pra ciranda de Sara
Êe lá em Saubára (3x)
Cira admira Sara
Sara também admira
Ciranda de Cira
Que a nada se compara
Quem é de dança delira
Se juntar Cira com Sara
E a roda a noite gira
E a ciranda lá não pára
Êe lá em Saubára (3x)
Quando é com Sara
Que Cira na cirandeira
Quando é com Cira
Que Sara saracoteia
Na volta e meia de Cira saracoteia
Na meia volta é que Sara dá volta e meia
Parece mentira mas você repara
Ninguém se retira
Ninguém se separa
Na hora que Cira ciranda com Sara
Êe lá em Saubára (3x)
Uma dica de leitura introdutória para se ter uma visão geral da produção literária e cultural baiana em parte significativa do século XX é o livro Literatura baiana 1920-1980, de Valdomiro Santana, onde se encontram depoimentos de vários escritores. O livro foi publicado pela Philobiblion em convênio com o Instituto Nacional do Livro/Fundação Nacional Pró-Memória.
Sobre o carnaval da Bahia, em particular sobre os Trios Elétricos, a leitura sugerida é O país do carnaval elétrico, de Fred de Góes, publicado pela Corrupio.
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