domingo, 20 de julho de 2014

Festival Abertura (Parte I)

por Magno Córdova

      A história dos festivais de música popular no Brasil da última metade do século passado nos dá uma dimensão da importância desse segmento da cultura como representativo veículo das manifestações contrárias ao regime militar imposto em 1964. 
       Apesar de ter sido idealizado pela rede de TV surgida e consolidada dentro do golpe - a rede globo de televisão -, o festival Abertura pode ser considerado, portanto, o último festival inserido nesse contexto de censura. O "Abertura" se realizou em 1975 durante o governo do presidente Ernesto Geisel, general tido como moderado entre os militares, mais tolerante do que a linha dura do presidente que o antecedeu, Garrastazu Médici. Dentre os historiadores, várias são as avaliações do período como sendo aquele que dá início mesmo ao processo de abertura política em geral. Apesar disso, não podemos esquecer dois fatos que chocaram o país quase que simultaneamente ao festival e que, sem dúvida, impuseram uma tomada de decisão mais urgente entre aqueles que queriam manter o regime de exceção: a morte do jornalista Wladimir Herzog, nas dependências do DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operação de Defesa Interna - e do operário Manuel Fiel Filho, vítimas de tortura. 
      Para uma parcela majoritária daqueles que estiveram presentes ou assistiram via televisão os festivais da década de 1960, o "Abertura" é considerado um festival menor. Essa vertente leva em conta, no entanto, o teor político sugerido pelas letras das canções, numa espécie de policiamento ideológico muito comum entre os estudantes e militantes em geral dos partidos e movimentos de esquerda da época. 
     Por outro lado, do ponto de vista estético musical, o "Abertura" adquire indiscutível relevância. Vencida por Carlinhos Vergueiro, com a bela música "Como um ladrão" - considerada "convencional" em comparação a uma parte do repertório apresentado -, o Abertura pode ser tomado, entretanto, como um festival de afirmação dos elementos musicais e performáticos de vanguarda, experimentais, contraculturais no âmbito da canção popular brasileira. Pode-se mesmo dizer que nele se deu a maior concentração de experiências anti-convencionais do universo da canção brasileira em um festival, em escala pública de vasto território da nação via TV. Um reflexo claro de maturidade e, ao mesmo tempo, a configuração do espaço necessário à consolidação daquilo que se convencionou chamar MPB - no que concerne às suas dimensões temporais presente e futura, ou seja, à sua esfera criativa e "novidadeira" -, para o grande público. Basta lembrarmos da presença de Hermeto Pascoal (com o porco em palco), Walter Franco (antes estigmatizado com a sua "cabeça", aqui incorporando a letra de farofa-fá à melodia de sua "Muito tudo", enquanto o Maracanazinho explodia em vaia), Jorge Mautner, Jards Macalé (devorando sem cerimônia uma rosa enquanto interpretava sua "Princípio do prazer") e mesmo Ednardo (ali com uma surpreendente incursão em procedimentos poético-musicais pouco comuns à grande massa de (tele) espectadores). 
        Observado e avaliado atualmente, pode-se notar que aquele festival representou o lançamento e/ou consolidação de carreiras musicais bem sucedidas, em um momento em que a indústria fonográfica já notara o grande canal que representavam as novelas televisivas para a divulgação das obras de artistas simpáticos ao público telespectador, ou que pudessem se tornar. Dentre os que tiveram seus trabalhos incorporados pela TV Globo em trilhas sonoras de novelas , apresentaram-se no “Abertura” nomes como Djavan, Alceu Valença, Luiz Melodia, o próprio Ednardo, dentre outros.


Aqui, fragmento da apresentação de Alceu Valença - ao seu lado aparecem Zé Ramalho da Parayba e Lula Côrtes - com sua música "Vou danado pra Catende", no Festival Abertura

A indicação é ouvir o disco do Festival “Abertura”, lançado em 1975 pela Som Livre. Textos sobre o ambiente musical popular do período podem ser encontrados no livro “Rostos e gostos da Música Popular Brasileira”, de Tárik de Souza com ilustrações de Elifas Andreato. Editora L&PM. 

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