Por Magno Córdova
É muito comum falarmos ou ouvirmos falar de “uma”
cultura afro-brasileira. Fomos levados a crer que os negros trazidos
forçosamente para o Brasil pertenciam a uma mesma origem, concepção mais
reforçada quando consideramos a pigmentação da pele e a tendência equivocada de
pensar a África como um continente de uma língua só, antes do advento da
colonização.
Os documentos que existem sobre os locais de captura
dos escravos em continente africano são imprecisos. Sabe-se que eram capturados
no interior do continente e trazidos aos portos por expedições organizadas no
litoral, expedições que receberam o nome de escambo.
Por aqui, as etnias africanas eram chamadas de
“nações”, conforme a origem. No início, boa parte dos povos escravizados que
chegavam em território brasileiro vinha da Guiné. Algumas regiões africanas já
haviam sido islamizadas e o Golfo do Benin, região fornecedora de escravos,
exportou um número significativo de povos muçulmanos do interior e das
imediações do reino do Daomé para o Brasil.
Sobre a presença de negros muçulmanos no Brasil,
basta lembrarmos da “revolta dos Malês”, levante reunindo negros Iorubá e
outros seguidores do credo professado por Maomé em Salvador, ocorrida na
primeira metade do século XIX.
A partir do século XVII começaram a vir povos de Angola
e do Reino do Congo. Com o novo período de prosperidade das lavouras de
cana-de-açúcar do nordeste brasileiro, os escravos que foram para os canaviais
vieram principalmente do Golfo da Guiné: eram nagôs, jejes, haussás e tapas. A
companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba trouxe também negros da Costa da
Mina e de Angola.
Na Bahia, eram intensas as relações comerciais com a
Costa da Mina e o golfo do Benin. Tal intensificação se deu no plano religioso
e também cultural. Negros libertados no Brasil voltavam à África graças a esse
intercâmbio. De tal forma que em meados do século XIX, o movimento de retorno
ao Benin - via Salvador - levou à criação de uma importante colônia brasileira
em Lagos, atual Nigéria.
Gilberto Gil talvez seja o artista brasileiro contemporâneo do campo da música que mais imediatamente é lembrado por trabalhar o mapeamento cultural da diversidade étnica de matriz africana que aportou em solo brasileiro, particularmente em seu disco Refavela, de 1977. Aqui, uma canção deste LP de Gil (extraída do youtube) onde o compositor dialoga com sua ancestralidade a partir de uma busca na hierarquia paterna.
Babá Alapalá (Gilberto Gil)
Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju
O filho perguntou pro pai:
"Onde é que tá o meu avô
O meu avô, onde é que tá?"
O pai perguntou pro avô:
"Onde é que tá meu bisavô
Meu bisavô, onde é que tá?"
Avô perguntou bisavô:
"Onde é que tá tataravô
Tataravô, onde é que tá?"
Tataravô, bisavô, avô
Pai Xangô, Aganju
Viva egum, babá Alapalá!
Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju
Alapalá, egum, espírito elevado ao céu
Machado alado, asas do anjo Aganju
Alapalá, egum, espírito elevado ao céu
Machado astral, ancestral do metal
Do ferro natural
Do corpo preservado
Embalsamado em bálsamo sagrado
Corpo eterno e nobre de um rei nagô
Xangô
A diversidade cultural trazida pelas etnias negras
para o Brasil permite um certo mapeamento referente às tradições mantidas por
essas populações. As particularidades dos cultos religiosos, as diferenciações
de traços físicos, o vocabulário e outros elementos presentes nas diversas
comunidades negras espalhadas pelo país mostram que por aqui aportaram povos
de regiões diversas do continente negro, por mais que persista o imaginário que
induz à uniformização desses povos, ideologia fundada na condição de escravos a
que foram relegados.
Dentre os escravos trazidos do
continente africano ao Brasil pelos portugueses, durante os séculos XVI e XVII,
dois grupos são considerados os mais importantes: os bantos e os sudaneses.
Banto é uma palavra que vem do cafre que, por sua vez, é um nome relativo a Cafraria,
antiga designação dada à parte da África habitada por não-muçulmanos. Segundo o
dicionário Aurélio, no Brasil o banto se refere aos negros escravos também
chamados angolas, cabindas, benguelas, congos e moçambiques. Nesse período da
colonização, os Bantos que aqui aportaram vieram do Congo e de Angola,
embarcados no porto de São Paulo de Luanda. A moeda utilizada para troca deste
povo era os produtos coloniais brasileiros como o açúcar, a aguardente, o
algodão, a pólvora e armas. Somente com a exploração das minas no Brasil que o
comércio negreiro se ampliou dessas duas regiões para a Costa da Mina, atual
golfo da Guiné. A partir de então, foram importados os iorubas – ou iorubás -
da Nigéria, os ewes e jejes da Costa do Ouro - onde hoje se situa Gana -, do
Daomé, atual Benin, e do Togo. Também de Gana vieram os ashantis. Do Sudão, os
haussás e os mandingas. Por fim, vieram os bantos de Moçambique, país a leste
do continente africano que só teve seu comércio articulado pelos portugueses em
fins do século XVII.
Uma indicação para leitura é
o livro O tráfico de escravos para o
Brasil, de Jaime Rodrigues, editora Ática e Brasil e África – Outro horizonte, de José Honório Rodrigues,
Editora Civilização Brasileira. Há também um documentário produzido pelo Itaú
Cultural com o título A rota dos
Orixás, dirigido por Renato Barbieri e lançado em 1998 (abaixo, extraído do Youtube).
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