quinta-feira, 24 de julho de 2014

Artur Bispo do Rosário

por Magno Córdova  

A iniciativa de postar este texto surgiu de um conjunto de conexões de ideias ocorridas em um segundo, no dia de hoje. Uma frase de Ariano Suassuna, que li em postagem de minha irmã Dora numa rede social, desencadeou tudo (frase que Suassuna disse se referindo a D. Sebastião e que utilizo como epígrafe póstuma ao texto já concluído e à morte de Ariano - a quem dedico esse instante). Daí se seguiu a memória de uma criatura - a quem também dedico esse texto - de nome Buguiugue (pronuncia-se Bu- gu- iu- gue, forma abrasileirada de Boogie- Woogie), "a louca da minha infância", que no Vale do Jequitinhonha foi uma das personagens ou personalidades protagonistas a povoar de fantasia matuta, magia sertaneja e, portanto, "armorialidade" o meu mundo dos primeiros tempos. Quase que simultaneamente, uma terceira pessoa aflorou em minha memória, mais uma a quem dedico o que está escrito aqui: Anita, ex-interna do Hospital Psiquiátrico Raul Soares, em Belo Horizonte, de onde escapou. Anita também é de origem jequitinhonhense e seu perfil, quando a conheci, requeria acompanhamento médico. Foi incorporada à minha família desde os meus 12 anos de idade e trouxe para a experiência prática cotidiana de quem que, como eu, conviveu com ela, o que apenas era representado pela imaginação mais geral - onde preconceituosamente "sua doença" habitava. Por fim, outra conexão que veio se juntar a esse universo foi o personagem Lulu Bergantim, do conto "Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon", de autoria de José Cândido de Carvalho. Quem conhece este conto entenderá o porque. Pra mim, o Bergantim é um dos mais brilhantes textos de ficção a tratar da realidade do tema aqui focalizado. Em apenas duas páginas o autor da conta de nos surpreender com a figura de Lulu.


      "Eu tenho um fascínio enorme por louco. Não sei se é por identificação, mas eu me dou muito bem com doido" (Ariano Suassuna).

    Quando apresentou seu espetáculo “O marco do Meio dia”, em 2001,  Antônio Nóbrega fez homenagem a três ilustres brasileiros: Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho, Mané Garrincha e Artur Bispo do Rosário. Todos três mestiços, gênios e marginalizados. Além da condição étnica, sofreram preconceito pelas enfermidades que os acometeram: Garrincha com o alcoolismo, Aleijadinho com a Hanseníase e Artur Bispo do Rosário com o diagnóstico da loucura. Garrincha e Aleijadinho são muito conhecidos do grande público, o que não ocorre na mesma medida com Bispo do Rosário. 


Vídeo apresentando informações e parte da obra do artista, com  a canção "Galope beira-mar para Bispo do Rosário", de Antônio Nóbrega e Wilson Freire, como trilha musical (Vídeo extraído do Youtube. Postado por Jussara Olinev). 

       Bispo do Rosário já havia sido homenageado por outro músico brasileiro: em 1994, o compositor Herbert Vianna utilizou um trabalho de Bispo do Rosário para ilustrar a capa do disco “Severino”, do grupo Paralamas do Sucesso. 


Capa do disco Severino, do Paralamas do Sucesso, com trabalho de Arthur Bispo.

        Os dados biográficos de Bispo do Rosário são imprecisos. Sabe-se que foi criado por uma família rica no bairro carioca de Botafogo. Quando jovem, trabalhou como fuzileiro naval e tornou-se campeão como pugilista, até que um distúrbio mental o levou preso. Bispo dizia ter ouvido uma mensagem de Deus, de quem recebeu o pedido para que reconstruísse o universo. Ficou quase cinqüenta anos encarcerado em uma solitária, pois agredia os companheiros de cela e se intitulava o xerife local. Na solitária da colônia Juliano Moreira, hospital psiquiátrico que se localiza nos arredores da cidade do Rio de janeiro, gerou mais de mil esculturas e modelagens. Utilizava-se do lixo recolhido na colônia, sucata, restolhos e trapos de pano, que eram desfiados e posteriormente reaproveitados em seus bordados. Seus trabalhos foram apresentados e admirados em vários países graças à iniciativa do crítico Frederico de Morais, que considera a obra do artista a mais genuína arte moderna brasileira, já que Bispo a produziu em condições de total alienação do mundo, o que a torna incontestavelmente original. Bispo morreu em 1989, de infarto.

Para conhecer mais:
Museu das Imagens do Inconsciente, no Engenho de Dentro, Rio de janeiro. http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/ ;
Museu Bispo do Rosário, em Jacarepaguá, Rio.  http://www.museubispodorosario.com/  ;
A imagem de Bispo do Rosário foi extraída de http://www.50emais.com.br/artigos/obra-de-arthur-bispo-do-rosario-vale-ida-a-bienal/ 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Carlos Cachaça

por Magno Córdova

  
         Em 1918, a população da cidade do Rio de Janeiro viveu momentos de desespero: um surto de gripe espanhola assolou a cidade tornando vítimas milhares de pessoas. Carlos Moreira de Castro, morador do Morro da Mangueira, perdeu a mãe e a irmã com a gripe. Carlos, mais conhecido como Carlos Cachaça, já morava no morro desde 1910, quando tinha oito anos de idade. 
         Por volta de 1919, chegou ao morro da Mangueira aquele que seria o maior amigo e parceiro musical de Carlos Cachaça: Angenor de Oliveira, o Cartola. Reunidos a vários outros companheiros de badernas e bebedeiras, criaram um bloco carnavalesco para competir com os outros da comunidade: o Bloco dos Arengueiros. Participaram do Bloco, além de Carlos e Cartola, os amigos Marcelino, Arthuzinho, Chico Porrão, Fiúca, Homem Bom e outros. Apesar das badernas, eram reconhecidos em todo morro como letristas e batuqueiros insuperáveis. 
        Enquanto isso, no Estácio de Sá, compositores como Ismael Silva, Bide e Marçal começavam a gravar músicas do gênero que chamava atenção à época e ganhava espaço entre os cantores de rádio: o samba. Prevendo a possibilidade de serem conhecidos fora dos limites do morro, Carlos Cachaça e seus amigos resolvem mudar de comportamento e fundaram, em 28 de abril de 1928, a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, na Travessa Saião Lobato nº 21, no Buraco Quente, região localizada no morro. Da parceria Carlos Cachaça e Cartola surgiriam sambas que ficaram guardados na memória coletiva: “Não quero mais”, do início dos anos 30, “Quem me vê sorrindo” e “Alvorada”, dos anos 40, dentre outros. 
          A história do samba “Alvorada” é curiosa: a primeira parte da obra, com letra e música de Carlos, já era cantada na quadra da Mangueira desde a década de 40, com a segunda parte improvisada, o que eles chamam de “samba versado”. Somente 20 anos depois, Cartola compôs a música da segunda parte e Hermínio Belo de Carvalho compôs a letra. 

Aqui, interpretação de Cartola para o samba feito em parceria entre ele e Carlos Cachaça

Uma indicação para leitura é o livro “Alvorada – Um tributo a Carlos Moreira de Castro (Carlos Cachaça)”, de Marília Trindade Barbosa. Publicado pela Divisão de Música Popular, do Instituto Nacional de Música da FUNARTE. 

domingo, 20 de julho de 2014

Festival Abertura (Parte I)

por Magno Córdova

      A história dos festivais de música popular no Brasil da última metade do século passado nos dá uma dimensão da importância desse segmento da cultura como representativo veículo das manifestações contrárias ao regime militar imposto em 1964. 
       Apesar de ter sido idealizado pela rede de TV surgida e consolidada dentro do golpe - a rede globo de televisão -, o festival Abertura pode ser considerado, portanto, o último festival inserido nesse contexto de censura. O "Abertura" se realizou em 1975 durante o governo do presidente Ernesto Geisel, general tido como moderado entre os militares, mais tolerante do que a linha dura do presidente que o antecedeu, Garrastazu Médici. Dentre os historiadores, várias são as avaliações do período como sendo aquele que dá início mesmo ao processo de abertura política em geral. Apesar disso, não podemos esquecer dois fatos que chocaram o país quase que simultaneamente ao festival e que, sem dúvida, impuseram uma tomada de decisão mais urgente entre aqueles que queriam manter o regime de exceção: a morte do jornalista Wladimir Herzog, nas dependências do DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operação de Defesa Interna - e do operário Manuel Fiel Filho, vítimas de tortura. 
      Para uma parcela majoritária daqueles que estiveram presentes ou assistiram via televisão os festivais da década de 1960, o "Abertura" é considerado um festival menor. Essa vertente leva em conta, no entanto, o teor político sugerido pelas letras das canções, numa espécie de policiamento ideológico muito comum entre os estudantes e militantes em geral dos partidos e movimentos de esquerda da época. 
     Por outro lado, do ponto de vista estético musical, o "Abertura" adquire indiscutível relevância. Vencida por Carlinhos Vergueiro, com a bela música "Como um ladrão" - considerada "convencional" em comparação a uma parte do repertório apresentado -, o Abertura pode ser tomado, entretanto, como um festival de afirmação dos elementos musicais e performáticos de vanguarda, experimentais, contraculturais no âmbito da canção popular brasileira. Pode-se mesmo dizer que nele se deu a maior concentração de experiências anti-convencionais do universo da canção brasileira em um festival, em escala pública de vasto território da nação via TV. Um reflexo claro de maturidade e, ao mesmo tempo, a configuração do espaço necessário à consolidação daquilo que se convencionou chamar MPB - no que concerne às suas dimensões temporais presente e futura, ou seja, à sua esfera criativa e "novidadeira" -, para o grande público. Basta lembrarmos da presença de Hermeto Pascoal (com o porco em palco), Walter Franco (antes estigmatizado com a sua "cabeça", aqui incorporando a letra de farofa-fá à melodia de sua "Muito tudo", enquanto o Maracanazinho explodia em vaia), Jorge Mautner, Jards Macalé (devorando sem cerimônia uma rosa enquanto interpretava sua "Princípio do prazer") e mesmo Ednardo (ali com uma surpreendente incursão em procedimentos poético-musicais pouco comuns à grande massa de (tele) espectadores). 
        Observado e avaliado atualmente, pode-se notar que aquele festival representou o lançamento e/ou consolidação de carreiras musicais bem sucedidas, em um momento em que a indústria fonográfica já notara o grande canal que representavam as novelas televisivas para a divulgação das obras de artistas simpáticos ao público telespectador, ou que pudessem se tornar. Dentre os que tiveram seus trabalhos incorporados pela TV Globo em trilhas sonoras de novelas , apresentaram-se no “Abertura” nomes como Djavan, Alceu Valença, Luiz Melodia, o próprio Ednardo, dentre outros.


Aqui, fragmento da apresentação de Alceu Valença - ao seu lado aparecem Zé Ramalho da Parayba e Lula Côrtes - com sua música "Vou danado pra Catende", no Festival Abertura

A indicação é ouvir o disco do Festival “Abertura”, lançado em 1975 pela Som Livre. Textos sobre o ambiente musical popular do período podem ser encontrados no livro “Rostos e gostos da Música Popular Brasileira”, de Tárik de Souza com ilustrações de Elifas Andreato. Editora L&PM. 

sábado, 19 de julho de 2014

“O Mistério do Samba”

por Magno Córdova


           Em 1926, foi encenado no Rio de Janeiro o primeiro espetáculo de Teatro de Revista realizado só com artistas negros. Apresentado pela Companhia Negra de Revista, chamava-se “Tudo preto”. O Teatro de Revista no Brasil caracterizou-se por levar para o palco, além dos atores, os músicos e seus instrumentos para que executassem seus números no momento da encenação. O diretor de “Tudo preto”, De Chocolat, contou com o maestro Pixinguinha no comando da trilha sonora. A boa repercussão do espetáculo chamou a atenção de dois jovens intelectuais cariocas e um outro, pernambucano, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro: Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes Neto e Gilberto Freyre. Ficaram maravilhados com o autêntico batuque africano executado pela atriz Miss Mons durante o espetáculo. Mas o que mais impressionou ao pernambucano Gilberto Freyre foi a música de Pixinguinha. Quis conhecê-lo em uma outra situação.
Prudente de Moraes Neto tinha sido apresentado ao sambista Donga pelo poeta vanguardista francês Blaise Cendrars, um assíduo folião dos carnavais cariocas. Donga era companheiro de Pixinguinha no grupo de samba Os Oito Batutas e a ele é atribuída a controvertida autoria de “Pelo Telefone”, o primeiro registro fonográfico de um samba no Brasil. Foi através dele que se deu o encontro entre o amigo Pixinguinha e o sociólogo Freyre. Além desses intelectuais e sambistas, consta que também participou da reunião o compositor Villa-Lobos.



Aqui é possível ouvir na íntegra um disco ilustrativo do universo musical referenciado na obra "O mistério do samba", sob a batuta de Pixinguinha e destaques para Clementina de Jesus e João da Baiana (extraído do youtube).

Foi fechado um café na rua do Catete, especialmente para aquela ocasião. É possível que com este encontro tenha sido iniciado o processo que transformaria a imagem social do samba: de manifestação cassada pelas autoridades e marginalizada pelas camadas brancas da sociedade brasileira, ele se converteria no símbolo da cultura brasileira, na música nacional por excelência.

Uma indicação para leitura é o livro O Mistério do samba, de Hermano Vianna. Da Jorge Zahar Editor e Editora UFRJ. Uma parte introdutória do livro encontra-se disponível no site do google: O Mistério do samba (fragmento inicial). Resta informar que há um documentário homônimo realizado após o lançamento do livro em questão que, no entanto, não possui roteiro baseado no estudo de Vianna.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Recôncavo

por Magno Córdova


           A palavra recôncavo significa, dentre outras coisas, a terra circunvizinha de uma cidade ou de um porto. No caso brasileiro, pronunciada isoladamente, esta palavra comumente se refere a uma extensa e fértil região da Bahia situada nas proximidades de Salvador e que circunda a Baía de Todos os Santos. 
               Fazem parte do Recôncavo Baiano, sedes, povoados e distritos de vários municípios como Conceição do Almeida, Mutá – que pertence a Jaguaripe -, Acupe e São Brás – que pertencem a Santo Amaro da Purificação -, Cachoeira, Terra Nova, Castro Alves, Nazaré das Farinhas, Arembepe – que pertence a Camaçari -, São Francisco do Conde, Maragogipe e Muritiba, chegando até Irará, município que faz fronteira com o sertão do estado. 


            Considerada uma das regiões brasileiras onde o resultado dos cruzamentos étnicos entre portugueses, índios e diversas etnias negras se deu com maior intensidade, o Recôncavo teve um papel de destaque na economia colonial brasileira através da produção da cana-de-açúcar e do fumo. Nos primeiros anos de existência de Salvador, cidade fundada em 1549 e sede do primeiro governo geral da colônia, a atividade portuária local era intensa. A criação de gado no sertão e a descoberta de ouro e diamante na Chapada Diamantina também contribuíram para a dinamização das atividades comerciais voltadas para exportação no Recôncavo. 
         A ocupação local pode ser observada ainda hoje pela preservação da arquitetura barroca em diversos municípios do lugar, que os elevou à condição de Patrimônio da Humanidade pela Unesco, no século XX. A diversidade e riqueza das manifestações culturais remanescentes dos povos que habitaram e que ainda habitam o Recôncavo da Bahia dão conta da intensidade com que se realizaram os cruzamentos étnicos na região. A lenda do Gaspi, os rituais do Candomblé, do Bembé do Mercado e dos repentistas e cantadores das feiras livres; o Nêgo-fugido, a Capoeira e o Maculelê; o Reisado, o Lindro Amor, os Ternos de Reis e a Burrinha; o Bumba-meu-boi e o Boi de Janeiro; todas elas manifestações originárias do Recôncavo. Sem contar as variantes do samba de roda: o samba da capela, o samba de vira-mão, o samba coco e o samba-chula.


Uma sugestão para saber mais sobre o Recôncavo é o vídeo-documentário “Recôncavo na palma da mão”, produzido pelo Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia e pela TV Educativa (anexo abaixo, extraído do youtube).


quinta-feira, 17 de julho de 2014

Noel Rosa em BH

por Magno Córdova

 
Capa do livro sobre Noel, indicado abaixo

Quando chegou à Rádio Mineira naquele ano de 1935, Noel Rosa ficou intrigado com o que ouviu. Sem ser notado, observou que o jovem rapaz que se encontrava no estúdio, por diversas vezes discava o telefone, dizia – engrossando a voz - “Aqui fala o embaixador Bill” e desligava o aparelho. Ao ser identificado, Noel percebeu a vergonha do rapaz que foi logo explicando: ele estava apaixonado pela secretária de um homem importante em Minas e ficava satisfeito em apenas ouvi-la atender ao telefone. O homem importante em Minas era o Desembargador Antônio Ribeiro e o rapaz da rádio era Roberto Ceschiatti. Ceschiatti disse ao compositor de Vila Isabel que na maioria das vezes quem atendia ao telefone era o desembargador. Àquela altura, o desembargador já se encontrava louco de irritação com  a história do “embaixador Bill”, nome inspirado em um personagem de um filme que estava sendo exibido na capital mineira.
Noel gostou da ideia e pediu permissão a Ceschiatti para, sem incomodar a secretária, fazer a mesma coisa com o desembargador. Daquele divertido encontro sairia uma grande amizade. Noel fez vários amigos na Rádio Mineira dentre os quais Lourival Serra, os irmãos Paulo e Chico Lessa, José Vaz, Milton Dias e outros.
Noel compôs dois textos paródicos para a música  "I'm looking over a four leaf clover", de Mort Dixon e Harry Woods, em homenagem a Belo Horizonte. Abaixo o registro da canção com os textos escritos por Noel, gravados na voz de Caola, para a caixa de cds "Noel Pela Primeira Vez" (Volume 7 CD 14 Faixa 21), extraído do youtube.


Textos das duas versões de "Belo Horizonte", escritas por Noel:

1- 
Belo Horizonte
Deixa que eu conte
O que há de melhor pra mim
Não é o bordão deste meu violão
Nem é a prima que eu firo assim
Não é a cachaça
Nem a fumaça
Que no meu cigarro vi
Belo Horizonte
Deixa que eu conte
Bom mesmo é estar aqui. ..

2 -
Belo Horizonte
Atrás do monte
Rosinha deu pro Leitão
Arrependida se pôs a chorar
Jurando que nunca mais ia dar
Porém, no outro dia,
Leitão comia
Na cama outro jantar
E a Rosinha,
Tão pobrezinha,
De inveja quis se matar...

 


No ano em que o poeta carioca veio se tratar da tuberculose em Belo Horizonte, a Rádio Mineira funcionava provisoriamente no edifício do Conselho Deliberativo do estado. O prédio ficava na esquina da Rua da Bahia com Avenida Augusto de Lima e o modesto transmissor da rádio se localizava no bairro Carlos Prates. Noel esteve instalado na casa de sua tia Carmem, moradora do bairro Floresta.

Essas e outras informações sobre o grande compositor se encontram no livro Noel Rosa – uma biografia, de João Máximo e Carlos Didier, publicado pela Linha Gráfica Editora e Editora da UnB.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Aracy de Almeida

por Magno Córdova

  
         Quando interpretou, em 1935, o samba Riso de Criança de Noel Rosa, a cantora Aracy de Almeida passou a ser conhecida como intérprete daquele gênero musical. Noel teria em Araci sua mais constante intérprete e, segundo alguns críticos, também a melhor. O compositor de Vila Isabel faleceu dois anos depois, mas pôde ouvir várias gravações de suas músicas na voz da amiga.
Aracy Teles de Almeida nasceu e foi criada no subúrbio carioca de Encantado, em 1914. Era comum, ainda pequena, cantar hinos religiosos da igreja batista, que frequentava. Foi levada à Rádio Educadora em 1933, por Custódio Mesquita. No ano seguinte, gravou seu primeiro disco com a música Em Plena Folia, composição de Julieta de Oliveira. Assinou seu primeiro contrato com a Rádio Cruzeiro do Sul, em 1935.
Aracy foi casada com um famoso goleiro de futebol chamado Rei, de quem se separou. Trabalhou em várias emissoras de rádio naquela época, quando recebeu de César Ladeira o apelido de “O Samba em Pessoa”.  Um de seus maiores sucessos é de co-autoria entre Haroldo Lobo e Milton de Oliveira e se chama “O passarinho do relógio”, gravado para o carnaval de 1940. No final daquela década, trabalhou na Boate Vogue, do Rio.
Durante os quatro anos que esteve na Vogue, apresentou-se cantando o repertório de Noel. Posteriormente, foi morar em São Paulo, cidade que a acolheu durante doze anos. Ficou famoso o espetáculo “Que Maravilha”, em que Aracy se apresentava ao lado de Paulinho da Viola, Toquinho e Jorge Ben, realizado no Teatro Cacilda Becker, em 1969. Caetano Veloso compôs, também em fins daquela década, “A voz do morto”, canção em homenagem à Aracy (abaixo as versões de Aracy e de Caetano com os Mutantes para a canção que o compositor baiano fez para ela - extraídas do Youtube. Há também um belo registro dessa canção com Geraldo Azevedo, em disco gravado ao vivo pelo Projeto Luz do Solo).






A partir da década de 1970, passou a trabalhar como jurada nos programas de calouro “A Buzina do Chacrinha” e “Programa Silvio Santos”. No fim da vida, Aracy se ocupava em cuidar das orquídeas e outras plantas que cultivava em um belo jardim que tinha em casa.
Faleceu no ano de 1988, na cidade onde nasceu.

Para saber mais sobre a vida de Aracy de Almeida, indicamos a “Enciclopédia da Música brasileira”, que contém um verbete a seu respeito. Publicada pela Art Editora e Publifolha. Confira também o ótimo texto publicado na Revista Piauí, em 2007, sob o título "Aracy de Almeida - Mulher do Futuro", assinado por Alexandre B. de Souza e Leonardo S. Prado. (http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-8/perfil/aracy-de-almeida-mulher-do-futur ). 

sábado, 12 de julho de 2014

Geraldo Pereira

          Por Magno Córdova


         Na década de 1940, reunia-se na praça Tiradentes, da cidade do Rio de Janeiro, um grupo de sambistas a procura de trabalho e de bebida. O nome do bar frequentado pelos sambistas era Café Carlos Gomes e tinha por proprietário um português conhecido como Alma Grande. Encontravam-se ali Arlindo Violonista, Kid Pepe, Maestro Dedé, Dino das Sete Cordas, Bide, Nelson Cavaquinho. Dentre esses compositores e músicos de samba, um se destacava por estar sempre sem dinheiro e ter vindo de Minas: Geraldo Pereira.

Geraldo Teodoro Pereira nasceu em Juiz de Fora, no ano de 1918. Somente em 1930 é que se transferiu para a cidade do Rio para morar com um irmão mais velho no morro do Santo Antônio. Para o maestro Guerra Peixe, a música de Geraldo Pereira é um dos mais importantes marcos da História do samba no Brasil, pela evidência e freqüência com que trabalha ritmos sincopados em suas composições.

Vários episódios da vida de Geraldo Pereira são controversos. Em especial, o que retrata sua morte, acontecida em 1955, na Lapa. A versão mais divulgada é a de que Geraldo havia se metido com uma prostituta protegida de Madame Satã. Madame Satã era um homossexual que defendia as prostituas da zona boêmia do Rio de Janeiro. Numa discussão com Satã, Geraldo Pereira teria levado um soco e caído, batendo com a cabeça no chão. Corria fama no local, entre a "malandragem", um tal soco com a canhota como golpe fatal desferido comumente por Madame Satã nas frequentes brigas em que se envolvia. No início da década de 1970, Satã deu um depoimento em entrevista ao jornal “O Pasquim” negando que havia batido em Geraldo.

Um outro episódio curioso se refere à música “Ministério da economia”, composta por Geraldo em 1951 e que durante o período militar do Ato Institucional número 5 (AI-5), foi vetada pelos censores da ditadura, dezessete anos depois de ter sido escrita.

Aqui, o próprio Geraldo Pereira interpreta a sua composição "Ministério da economia", feita em parceria com Arnaldo Passos, em 1951, e proibida pelos censores do governo militar brasileiro instaurado em 1964 (vídeo extraído do Youtube). 


Ministério da Economia

Seu Presidente, 
Sua Excelência mostrou que é de fato 
Agora tudo vai ficar barato
Agora o pobre já pode comer
Seu Presidente,
Pois era isso que o povo queria
O Ministério da Economia
Parece que vai resolver
Seu Presidente
Graças a Deus não vou comer mais gato
Carne de vaca no açougue é mato
Com meu amor eu já posso viver
Eu vou buscar
A minha nega pra morar comigo
Porque já vi que não há mais perigo
Ela de fome já não vai morrer
A vida estava tão difícil
Que eu mandei a minha nega bacana
Meter os peitos na cozinha da madame
Em Copacabana
Agora vou buscar a nega
Porque gosto dela pra cachorro
Os gatos é que vão dar gargalhada
De alegria lá no morro

 Dos artistas que ganharam projeção durante o período militar e gravaram canções de Geraldo Pereira ao longo da carreira,  podemos destacar Chico Buarque ("Sem compromisso"), Gal Costa ("Falsa Baiana"), Jards Macalé ("Ministério da Economia", "Bolinha de papel" e "Acertei no Milhar"), e, mais recentemente, Zizi Possi ("Escurinho") e Luiz Melodia ("Cabritada mal sucedida").        
Uma indicação para leitura é o livro Um certo Geraldo Pereira, de Alice Duarte Silva de Campos e outros, com a colaboração do sambista Nelson sargento. Uma publicação da FUNARTE, lançado em 1983.

Capa do Livro indicado ao final deste texto, lançado pela FUNARTE, reproduz uma das imagens mais conhecidas de Geraldo Pereira


Rádio Inconfidência Programa Feito em Casa com Magno Córdova

(por Magno Córdova)

A rádio Inconfidência de Belo Horizonte possui um programa semanal que chama-se "Feito em Casa". Consiste em levar um convidado que seleciona 10 (dez) músicas de sua predileção e comenta sobre o lugar ocupado por cada uma dessas canções em sua vida. Dia 21/04/2014, segunda-feira (fim de feriado) o programa foi ao ar comigo (houve reprise no dia 26/04, sábado, 11 da manhã). Escolhi um repertório que diz respeito aos meus afetos, mas também canções com as quais trabalhei em sala de aula, com alunos de cursos, segmentos, origens diversos: cursos livres sobre história da música no Brasil, cursos de especialização em canto e instrumento, cursos regulares de graduação em pedagogia, história, artes plásticas, teatro, curso técnico na formação de agentes comunitários e agentes de vigilância em saúde, enfim.. O repertório como um todo desemboca no repertório específico que foi objeto da minha pesquisa de mestrado, na UnB. O título do texto consequente da pesquisa é "Rompendo as entranhas do chão: cidade e identidade de migrantes do Ceará e do Piauí na MPB dos anos 70", defendido em 2006. Uma curiosidade é que este texto foi recomendado pela Comissão Julgadora do Prêmio Funarte de Produção Crítica em Música, de 2012. Portanto, um texto que renasceu seis anos após vir à luz. Aqui deixo o arquivo do programa na íntegra pra quem desejar ouvir. Será ótimo se surgirem registros de opiniões crítcas e comentários de qualquer natureza

Arquivo Programa Feito em Casa da Rádio Inconfidência FM, de Belo Horizonte com Magno Córdova, exibido nos dias 21/04/2014 e dia 26/04/2014

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Negros no Brasil

Por Magno Córdova 

          É muito comum falarmos ou ouvirmos falar de “uma” cultura afro-brasileira. Fomos levados a crer que os negros trazidos forçosamente para o Brasil pertenciam a uma mesma origem, concepção mais reforçada quando consideramos a pigmentação da pele e a tendência equivocada de pensar a África como um continente de uma língua só, antes do advento da colonização.
        Os documentos que existem sobre os locais de captura dos escravos em continente africano são imprecisos. Sabe-se que eram capturados no interior do continente e trazidos aos portos por expedições organizadas no litoral, expedições que receberam o nome de escambo.
         Por aqui, as etnias africanas eram chamadas de “nações”, conforme a origem. No início, boa parte dos povos escravizados que chegavam em território brasileiro vinha da Guiné. Algumas regiões africanas já haviam sido islamizadas e o Golfo do Benin, região fornecedora de escravos, exportou um número significativo de povos muçulmanos do interior e das imediações do reino do Daomé para o Brasil.
          Sobre a presença de negros muçulmanos no Brasil, basta lembrarmos da “revolta dos Malês”, levante reunindo negros Iorubá e outros seguidores do credo professado por Maomé em Salvador, ocorrida na primeira metade do século XIX.
         A partir do século XVII começaram a vir povos de Angola e do Reino do Congo. Com o novo período de prosperidade das lavouras de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro, os escravos que foram para os canaviais vieram principalmente do Golfo da Guiné: eram nagôs, jejes, haussás e tapas. A companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba trouxe também negros da Costa da Mina e de Angola.
       Na Bahia, eram intensas as relações comerciais com a Costa da Mina e o golfo do Benin. Tal intensificação se deu no plano religioso e também cultural. Negros libertados no Brasil voltavam à África graças a esse intercâmbio. De tal forma que em meados do século XIX, o movimento de retorno ao Benin - via Salvador - levou à criação de uma importante colônia brasileira em Lagos, atual Nigéria.

Gilberto Gil talvez seja o artista brasileiro contemporâneo do campo da música que mais imediatamente é lembrado por trabalhar o mapeamento cultural da diversidade étnica de matriz africana que aportou em solo brasileiro, particularmente em seu disco Refavela, de 1977. Aqui, uma canção deste LP de Gil (extraída do youtube) onde o compositor dialoga com sua ancestralidade a partir de uma busca na hierarquia paterna.
         
Babá Alapalá (Gilberto Gil)


Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju

O filho perguntou pro pai:
"Onde é que tá o meu avô
O meu avô, onde é que tá?"

O pai perguntou pro avô:
"Onde é que tá meu bisavô
Meu bisavô, onde é que tá?"

Avô perguntou bisavô:
"Onde é que tá tataravô
Tataravô, onde é que tá?"

Tataravô, bisavô, avô
Pai Xangô, Aganju
Viva egum, babá Alapalá!

Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju

Alapalá, egum, espírito elevado ao céu
Machado alado, asas do anjo Aganju
Alapalá, egum, espírito elevado ao céu
Machado astral, ancestral do metal
Do ferro natural
Do corpo preservado
Embalsamado em bálsamo sagrado
Corpo eterno e nobre de um rei nagô
Xangô

          A diversidade cultural trazida pelas etnias negras para o Brasil permite um certo mapeamento referente às tradições mantidas por essas populações. As particularidades dos cultos religiosos, as diferenciações de traços físicos, o vocabulário e outros elementos presentes nas diversas comunidades negras espalhadas pelo país mostram que por aqui aportaram povos de regiões diversas do continente negro, por mais que persista o imaginário que induz à uniformização desses povos, ideologia fundada na condição de escravos a que foram relegados. 
 Dentre os escravos trazidos do continente africano ao Brasil pelos portugueses, durante os séculos XVI e XVII, dois grupos são considerados os mais importantes: os bantos e os sudaneses. Banto é uma palavra que vem do cafre que, por sua vez, é um nome relativo a Cafraria, antiga designação dada à parte da África habitada por não-muçulmanos. Segundo o dicionário Aurélio, no Brasil o banto se refere aos negros escravos também chamados angolas, cabindas, benguelas, congos e moçambiques. Nesse período da colonização, os Bantos que aqui aportaram vieram do Congo e de Angola, embarcados no porto de São Paulo de Luanda. A moeda utilizada para troca deste povo era os produtos coloniais brasileiros como o açúcar, a aguardente, o algodão, a pólvora e armas. Somente com a exploração das minas no Brasil que o comércio negreiro se ampliou dessas duas regiões para a Costa da Mina, atual golfo da Guiné. A partir de então, foram importados os iorubas – ou iorubás - da Nigéria, os ewes e jejes da Costa do Ouro - onde hoje se situa Gana -, do Daomé, atual Benin, e do Togo. Também de Gana vieram os ashantis. Do Sudão, os haussás e os mandingas. Por fim, vieram os bantos de Moçambique, país a leste do continente africano que só teve seu comércio articulado pelos portugueses em fins do século XVII.

Uma indicação para leitura é o livro O tráfico de escravos para o Brasil, de Jaime Rodrigues, editora Ática e Brasil e África – Outro horizonte, de José Honório Rodrigues, Editora Civilização Brasileira. Há também um documentário produzido pelo Itaú Cultural com o título A rota dos Orixás, dirigido por Renato Barbieri e lançado em 1998 (abaixo, extraído do Youtube).