domingo, 27 de dezembro de 2015

O jovem Chico Buarque e os trabalhadores no Brasil dos militares

(por Magno Córdova)

A música “Pedro Pedreiro”, de Chico Buarque de Hollanda surgiu em 1965, um ano após o golpe militar. 


(Vídeo extraído do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=ukyJzG9IePI)

Pedro Pedreiro
Composição: Chico Buarque de Holanda

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro fica assim pensando

Assim pensando o tempo passa e a gente vai ficando prá trás
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro espera o carnaval

E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês
Esperando, esperando, esperando, esperando o sol
Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem
Esperando a festa, esperando a sorte
E a mulher de Pedro, esperando um filho prá esperar também

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém

Pedro pedreiro tá esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo 
Espere alguma coisa mais linda que o mundo

Maior do que o mar, mas prá que sonhar se dá
O desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais, sem ficar

Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando aumento para o mês que vem
Esperando um filho prá esperar também

Esperando a festa, esperando a sorte
Esperando a morte, esperando o Norte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim, nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem

Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem

Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem

“Construção e Deus lhe pague” foram lançadas no mercado fonográfico em 1971. 


(Vídeo extraído do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=olJPFY6wHrM)

Construção/Deus lhe pague
Composição: Chico Buarque de Holanda

Amou daquela vez como se fosse a última 
Beijou sua mulher como se fosse a última 
E cada filho seu como se fosse o único 
E atravessou a rua com seu passo tímido 
Subiu a construção como se fosse máquina 
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas 
Tijolo por tijolo num desenho mágico 
Seus olhos embotados de cimento e lágrima 
Sentou prá descansar como se fosse sábado 
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe 
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago 
Dançou e gargalhou como se ouvisse música 
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado 
E flutuou no ar como se fosse um pássaro 
E se acabou no chão feito um pacote flácido 
E agonizou no meio do passeio público 
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego 

Amou daquela vez como se fosse o único 
Beijou sua mulher como se fosse a única 
E cada filho seu como se fosse o pródigo 
E atravessou a rua com seu passo bêbado 
Subiu a construção como se fosse sólido 
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas 
Tijolo por tijolo num desenho lógico 
Seus olhos embotados de cimento e tráfego 
Sentou prá descansar como se fosse um príncipe 
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo 
Bebeu e soluçou como se fosse máquina 
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo 
E tropeçou no céu como se ouvisse música 
E flutuou no ar como se fosse sábado 
E se acabou no chão feito um pacote tímido 
E agonizou no meio do passeio náufrago 
Morreu na contramão atrapalhando o público 

Amou daquela vez como se fosse máquina 
Beijou sua mulher como se fosse lógico 
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas 
Tijolo por tijolo num desenho mágico 
Sentou prá descansar como se fosse um pássaro 
E flutuou no ar como se fosse um príncipe 
E se acabou no chão feito um pacote bêbado 
Morreu na contramão atrapalhando o sábado 

Por esse pão prá comer, por esse chão prá dormir 
A certidão prá nascer e a concessão prá sorrir 
Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague 

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir 
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir 
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair, Deus lhe pague 

Pela mulher carpideira prá nos louvar e cuspir 
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir 
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague

Quando ouvimos a música do Chico temos uma dimensão exata da precária situação da classe trabalhadora urbana brasileira naquele período de ideologia do “milagre” econômico, sustentado por “slogans” como “esse é um país que vai prá frente”. 

O auge da ditadura militar apontava para o fim do “milagre”, ao dilapidar a força de trabalho com o favorecimento do grande capital e a manutenção, durante toda a década de 1970, de níveis ínfimos de salário entre os trabalhadores. Com baixo nível salarial, a alimentação de operários era precária. A extenuação da classe trabalhadora chegou a ameaçar as demais classes sociais, através de epidemias. Em 1974, um surto de meningite entre as camadas populares teve sua divulgação censurada até atingir democraticamente outros setores da sociedade. 

Retomando a obra de Chico, em determinado verso da canção "Deus lhe pague" lemos: “pelos andaimes pingentes que agente tem que cair...”. A média de acidentes de trabalho por dia útil, registrados no Brasil durante o período que vai de 1971 a 1977, era de cerca de 5500 acidentes por dia. No ano de 1976 a média por dia atingiu 6355 trabalhadores vitimados por acidentes de trabalho. 

Naquele ano, registrou-se a esperança de vida do brasileiro ao nascer, a partir da sua faixa salarial. O trabalhador que recebia menos de um salário mínimo por mês tinha 14 anos a menos, de esperança de vida, comparando-se com aquele que recebia acima de cinco salários mínimos.


O livro “História do Brasil recente (1964-1980)”, de Sonia Regina de Mendonça e Virgínia Maria Fontes, pela editora Ática, vai como sugestão de uma leitura inicial.

Nenhum comentário: