(por Magno Córdova)
Sendo a música brasileira o fio de meada de tudo o que aqui se escreve, permito-me introduzir a Amazônia partindo de Recife. É que a memória que surge como lastro para o texto que publico adiante sobre a "Borracha" tem seu marco inicial aí, no encontro entre Pernambuco, Maranhão (território de transição, onde a mata começa a se descortinar) e Pará.
Na década de 70, foi pelo Quinteto Violado que a Amazônia surgiu pra mim como universo temático de canções, a partir do LP Até a Amazônia ?!, lançado no ano de 1978. Nele eu soube da existência do trabalho poético de João de Jesus Paes Loureiro (nascido no Pará) e José Chagas (nascido na Paraíba, mas radicado no Maranhão).
Ali, reforçaram-se o encantamento natural e os misticismos dele surgidos. tanto quanto a dimensão crítica das mazelas vividas pela população local.
Recentemente, José Chagas teve parte de seu trabalho reunido em disco, intitulado A palavra acesa de José Chagas.
João de jesus Paes Loureiro possui um cd reunindo também parte de sua obra poética. Intitula-se O poeta e seu canto - Cantar dos encantados: pássaros da terra.
É, no entanto, do repertório do Até a Amazônia?! que me ocorre a trilha musical da história econômica da região, informada pelo historiador Caio Prado Júnior.
Uma das canções que extraio do disco foi composta por dois integrantes do Quinteto, Marcelo Melo e Toinho Alves. É uma música de não-amazonenses que, inserida naquele projeto, resultou por nortear musicalmente todas as informações contidas no universo verbo-visual narrado no disco sobre a região (ou sobre o que em ambas - Nordeste e Norte - não se afasta, não se delimita, não se rompe com a geografia). Soa feito aquilo que José Miguel Wisnik descreve como "meio metafísico de acesso ao sentido para além do verbal". É que "Gravatá" (nome de município pernambucano), a música, é a única faixa instrumental do disco e nele encerra o lado B: cada ruído, cada nota e som fazem parte, pra mim, de um cenário amazônico.
Ei-la:
E, aqui, o que me deu de escrever sobre a região, após a leitura do Caio Prado e a partir dele:
Na década de 70, foi pelo Quinteto Violado que a Amazônia surgiu pra mim como universo temático de canções, a partir do LP Até a Amazônia ?!, lançado no ano de 1978. Nele eu soube da existência do trabalho poético de João de Jesus Paes Loureiro (nascido no Pará) e José Chagas (nascido na Paraíba, mas radicado no Maranhão).
Ali, reforçaram-se o encantamento natural e os misticismos dele surgidos. tanto quanto a dimensão crítica das mazelas vividas pela população local.
Recentemente, José Chagas teve parte de seu trabalho reunido em disco, intitulado A palavra acesa de José Chagas.
João de jesus Paes Loureiro possui um cd reunindo também parte de sua obra poética. Intitula-se O poeta e seu canto - Cantar dos encantados: pássaros da terra.
É, no entanto, do repertório do Até a Amazônia?! que me ocorre a trilha musical da história econômica da região, informada pelo historiador Caio Prado Júnior.
Uma das canções que extraio do disco foi composta por dois integrantes do Quinteto, Marcelo Melo e Toinho Alves. É uma música de não-amazonenses que, inserida naquele projeto, resultou por nortear musicalmente todas as informações contidas no universo verbo-visual narrado no disco sobre a região (ou sobre o que em ambas - Nordeste e Norte - não se afasta, não se delimita, não se rompe com a geografia). Soa feito aquilo que José Miguel Wisnik descreve como "meio metafísico de acesso ao sentido para além do verbal". É que "Gravatá" (nome de município pernambucano), a música, é a única faixa instrumental do disco e nele encerra o lado B: cada ruído, cada nota e som fazem parte, pra mim, de um cenário amazônico.
Ei-la:
E, aqui, o que me deu de escrever sobre a região, após a leitura do Caio Prado e a partir dele:
Nos primeiros dez anos do século
XX, a lavoura cafeeira no Brasil dividiu o espaço no balanço da produção do
país com uma outra atividade: a extração da borracha. O Brasil possuía a maior
reserva mundial de seringueiras nativas, árvore típica dos trópicos americanos
e que fornece aquele produto. A grande escalada em torno da exploração da
seringueira no país está proporcionalmente ligada ao desenvolvimento da
indústria mundial da borracha. Ainda no século XVIII, observou-se que a borracha
servia para apagar traços do lápis. No século seguinte, tornou-se possível a
utilização do produto em vestimentas impermeáveis, graças à obtenção da
essência de hulha a partir da sua dissolução. A borracha passa a ser largamente
aproveitável na indústria quando é descoberto o processo de vulcanização, em
1842, por Goodyear nos Estados Unidos e Hancock na Inglaterra. Esse processo de
vulcanização consiste numa combinação de borracha com enxofre que dá à borracha
grande flexibilidade e a torna inalterável a qualquer variação de temperatura.
Com a larga difusão do automóvel em fins do século XIX, o emprego da borracha
para revestir os aros das rodas dos veículos a torna uma das principais
matérias-primas industriais. A partir desse quadro evolutivo, podemos apreciar
o avanço da exploração dos seringais para exportação da borracha no Brasil: em
1827 são embarcadas para o exterior 31 toneladas do produto; em 1880 esse
número alcança o montante de 7.000; na primeira década do século XX, a média
anual atinge 34.500 toneladas, representando 28% do total das exportações
brasileiras.
A
região amazônica sempre viveu o problema da escassez populacional, devido às
dificuldades características da floresta enfrentadas pelo homem. No final do
século XIX, em pleno auge da exploração da borracha, uma contingência natural
desfavorável de outra região brasileira permitiu estabelecer-se uma forte
corrente migratória para a Amazônia: entre os anos de 1877 e 1880 o nordeste
brasileiro foi assolado por um período de seca que agravou a condição miserável
do seu povo. Buscando melhores perspectivas de sobrevivência, uma grande massa
de nordestinos se deslocou para a região que oferecia oportunidades de trabalho
mais favoráveis. Isso pode ser constatado pelos dados de produção e exportação
da borracha no período: se em 1880 a exportação da borracha foi de 7.000
toneladas, em 1887, após o afluxo da mão-de-obra nordestina, esse número subiu
para 17.000. Naquele ano de 1887, a maior produção se verificou na bacia do
médio rio (antiga província, atual Estado do Amazonas). Posteriormente, nos
primeiros anos do século XX, entra em cena uma nova região produtora: a do alto
curso dos tributários amazônicos Purus e Juruá. Região habitada apenas por
povos indígenas e riquíssima em seringais, se transformará em palco de um
conflito internacional envolvendo o Brasil e a vizinha Bolívia. Os bolivianos
ocupavam nominalmente a região com alguns postos militares. Após quatro anos de
tentativas de negociação, conflitos e insurreições, foi assinado o Tratado de
Petrópolis, em 1903. Pelo tratado, o Brasil adquiriu uma área de 200.000 Km²,
tendo que pagar à Bolívia 2 milhões de libras esterlinas. Em 1904, a área
passou a ser denominada de território do Acre, que só viria se transformar em estado no ano de 1962.
Pausa para duas canções: a primeira com texto de João de Jesus, musicado por Marcelo Melo; a outra é uma lenda da região amazônica, em texto de João de Jesus e música de Toinho Alves:
(Vídeo extraído do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=eEKCLvP5CU0)
Canção marginal
Composição: João de Jesus Paes Loureiro e Marcelo Melo
Vou na margem desse rio
Desse rio chamado tempo
Tempo que parece sempre
Amazônico lamento
Lamento de quem se afoga
E se afoga em contratempo
Vou na margem da borracha
Da borracha e do minério
Do minério rica história
Rica história desse império
Desse império onde a lenda
Onde a lenda é caso sério
Eu sonhei que tantas águas
Fossem águas sem porém
Eu pensei que tanta terra
Fosse terra de ninguém
Mas no mundo dessas águas
Toda terra é terra alguém
História luminosa e triste de Cobranorato
Composição: João de Jesus Paes Loureiro e Toinho Alves
Aqui começo cantando
Como o rio-mar que corre
Buscando no mar da lenda
Novas razões de cantar
Vida de Cobranorato
Cuja verdade decorre
De ser não-sendo e
permanecer existindo
O rio enchia e vazava
pororoca, baixa-mar
Cobranorato não sabia
Outro pensar
De ser não-sendo e
Permanecer existindo
E desde então dessa hora
Todo filho que nascia
De amor que ninguém sabia
Era filho de Honorato
Mentiramente verdade
Que a ira em paz recebia
Nesse estranho gesto humano
De consentir-se no engano
O rio enchia e vazava
pororoca, baixa-mar
Cobranorato não sabia
Outro pensar
Queria corpo de moça
E nele naufragar
Por que me tiraste moço
Minhas argolas de amor
Com tua lança certeira
Em meu colar de pudor
Que vou dizer a meu pai
À minha mãe que direi
Se aquilo que ora renego
É o mesmo a que me darei
O rio enchia e vazava
pororoca, baixa-mar
Cobranorato não sabia
Outro pensar
O amor é rosto sem face
Que não está onde está
Ferido Norato está
Das coisas más que bebeu
Sob águas e ares poluídos
Um pesadelo ocorreu
E chora as águas e ares
Que ainda viu por salvar
Os rios morrendo de sede
E o ar morrendo sem ar
O rio enchia e vazava
pororoca, baixa-mar
Cobranorato não sabia
Outro pensar
Os rios morrendo de sede
E o ar morrendo sem ar.
No
ano de 1912, observa-se o maior índice de produção da borracha no Brasil. As
exportações desse produto chegaram a representar 40% do total do país. A partir
daí, a exploração de borracha entra em declínio. Isso se deu graças às
precárias condições do regime de trabalho e padrão de vida do trabalhador além
do rudimentar sistema de exploração econômica observado na atividade. Não era
tomada nenhuma medida de precaução para proteção e conservação dos seringais.
Por outro lado, já em 1873 e 1876, foram levadas mudas de seringueiras, tiradas
da Amazônia, para jardins botânicos de Londres. Posteriormente, os ingleses
transportaram essas seringueiras para o Ceilão e Singapura, dando origem a
imensas plantações racionalmente conduzidas e selecionadas. Com essa medida, a
borracha produzida no Ceilão e na Malásia desbancou completamente a produção
extrativa da América. No ano de 1919, mais de 80% da produção mundial de
borracha pertencia ao oriente. Deve-se levar em conta que a produção da
borracha em território primitivo como o brasileiro, comparada a essa mesma
atividade realizada sob a orientação técnica e financeira da Inglaterra
representa uma grande diferença. O Brasil não passava de um mero produtor de
matéria-prima. Eram desconhecidas as etapas de financiamento, comércio,
manipulação e consumo do produto em nosso solo. Terminava assim um período de
apogeu que contribuiu para um incipiente desenvolvimento da região com a menor
taxa demográfica do Brasil. O esquecimento a que foi relegada a região amazônica
após a década de 1920 só teria fim com a criação da Zona Franca de Manaus, em
1967.
A escrita do texto surgiu da leitura de:
PRADO Júnior, Caio. História econômica do Brasil. 1ª edição de 1945. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979. 22ª ed.
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