A entrevista a seguir foi realizada pelo jornalista potiguar Roberto Homem e publicada no Jornal Zona Sul, de Natal, no ano de 2007, em sua versão impressa e também em formato eletrônico. Roberto a disponibilizou em seu blog, Sem Leriado (cf. http://zonasulnatal.blogspot.com.br/search?q=c%C3%B3rdova) e foi de lá que a recolhi para trazer ao Rabiscos de Ouvido. Mantive o mais fiel possível a edição da entrevista conforme aparece no Sem Leriado. E me permiti editar imagens com as capas de alguns dos discos referenciados por mim e/ou que tiveram relevância para a configuração do objeto da pesquisa que então eu desenvolvia. O objetivo, como se pode notar também por diversas outras postagens incluídas aqui no blog, é reunir o material tornado público durante meu percurso de mestrado na UnB, organizando assim uma espécie de acervo daquele trabalho e seus desdobamentos.
Como o próprio Roberto anuncia na abertura da entrevista adiante, fomos apresentados pelo compositor Clodo Ferreira. Descobrimos, os três, que éramos "vizinhos" de final de Asa Norte, no Plano Piloto. Montamos, espontaneamente, uma espécie de QG musical, onde reuníamos amigos pra bate-papos e audições. Desde os nossos primeiros encontros já saiu amizade forte, que permeou todo o período brasiliense. Amizade marcada por encontros da melhor qualidade regados, claro, por longas conversas e muita escuta de música, sempre muita música e a afirmação de afinidades artísticas. Roberto foi, pois, mais um desses colaboradores impressionantes que tive a oportunidade de encontrar e "adquirir" em Brasília. Foi ele quem me colocou próximo à Terezinha de Jesus, que se encontrava no Rio Grande do Norte. Daí pra diante, portas e portas se abriram também nessa frente.
Conheci Magno por intermédio de Clodo
Ferreira, há alguns anos. Vindo de Minas, ele estava recolhendo material
para sua pesquisa de mestrado, posteriormente defendida na Universidade de Brasília (UnB). O trabalho acadêmico, “Rompendo as
entranhas do chão”, traz como tema central a importância para a música
brasileira dos anos 70 do encontro ocorrido entre cearenses e piauienses. Esse
também é o mote da entrevista de final de ano do Zona Sul. Boa leitura, feliz
Natal e um ótimo 2008 para todos! (Roberto Homem)
ZONA SUL – Quem é Magno Córdova?
MAGNO – Magno Córdova nasceu em uma cidade chamada Rubim, no Vale do
Jequitinhonha, em Minas Gerais, em 1965. Ficou lá durante sete anos e, em 1972,
chegou à capital mineira, Belo Horizonte, com mãe e irmãos. Lá viveu até os 36
anos de idade, quando veio para Brasília.
ZONA SUL – Magno Córdova é o seu nome completo?
MAGNO – Não. É Magno Cirqueira Córdova. Minha mãe, Cirqueira, é baiana da
região de Poções e Jequié, por ali. Meu pai é da cidade de Jequitinhonha,
próximo também da Bahia, no nordeste de Minas. Meus pais se conheceram em
Minas. Rubim é próximo de Jequitinhonha.
ZONA SUL – Seu pai ainda está vivo?
MAGNO – Não. Estive com ele um ano antes de sua morte. Não morávamos na
mesma casa. Meu pai foi uma pessoa muito presente nos primeiros anos que vivi
em Jequitinhonha. Nas férias escolares eu sempre ia a Jequitinhonha. Depois de
adulto, fui outras vezes, embora bem poucas. Fiquei quase dez anos sem ver meu
pai. Resolvi vê-lo em 2000. No ano seguinte ele faleceu.
ZONA SUL – A paixão pela música já existia em Rubim ou você só a adquiriu
após ir morar em Belo Horizonte?
MAGNO – Apesar de a minha família não ser de músicos, Rubim era uma cidade
muito musical. Apesar de estar a 700 km da capital mineira, e de o acesso, nas
décadas de 60 e 70, ter sido difícil, algumas pessoas, entre elas a minha mãe,
tinham condições de viajar até a capital ou a cidades do pólo para adquirir
discos. Dentro da minha casa, por ser uma família muito vasta, a gente ouvia
vários gêneros musicais. Incluindo a Jovem Guarda, o Tropicalismo, Nat King
Cole, Marta Mendonça e Ângela Maria. Sou o mais novo de uma família de dez filhos.
Acabei bebendo um pouco dos meus nove irmãos, que até então moravam em Rubim,
com exceção da irmã mais velha, que saiu muito cedo. As pessoas ouviam música
até na praça. O cotidiano era banhado por trilhas no ar da cidade. Como até
1972 a televisão ainda não existia em Rubim, o rádio era um instrumento muito
importante, era o grande barato da turma.
ZONA SUL – Além destes já citados, o que mais se ouvia na sua casa?
MAGNO – Minha mãe era muito atenta ao fato de seus filhos jovens
demonstrarem necessidade de conhecer um pouco de música. Lembro do primeiro
disco do Caetano, o que tem Tropicália, chegar a minha casa pelas mãos da minha
mãe. Tenho fotos, com cinco anos de idade, ao lado de uma radiola, com o disco
do Chico, A Banda. Apesar de não serem ainda os protagonistas da pesquisa que
eu viria a fazer, com certeza os tropicalistas e o Chico faziam parte do
ambiente da minha casa. Até então, eu não fazia qualquer tipo de audição
crítica. Era apenas prazer. Gil e Bethânia também foram muito presentes nessa
época. Também lembro do disco da Gal cantando Cultura e Civilização, Tuareg e
Meu nome é Gal. Tinha uma capa meio psicodélica, maluquíssima. Lembro de meus
irmãos mais velhos ouvirem alto demais. Isso tudo ainda no período
Jequitinhonense. Foi uma espécie de primórdio de minha relação com a música.
ZONA SUL – Em qual circunstância você passou a ouvir a música específica
de sua pesquisa?
MAGNO – Curiosamente foi nos meus retornos a Rubim. Acredito que até 19 ou
20 anos de idade, eu ia Rubim pelo menos duas vezes ao ano, no período das
férias escolares. Ia ver meu pai e meus amigos. Em Rubim pude ouvir muita
música que eu não escutava na capital. O ambiente onde eu transitava em Belo
Horizonte não ouvia exatamente as músicas que eu escutava no Vale do Jequitinhonha.
Por exemplo, Ednardo foi uma coisa que me chamou muita atenção no Vale do
Jequitinhonha. Ele já havia se destacado com Pavão Mysteriozo quando conheci o
disco O Azul e o Encarnado, no Vale. Fagner, também. Orós e Raimundo Fagner eu
ouvi com muita freqüência, no final da década de 70, já adolescente, na casa de
amigos da mesma idade que tocavam violão. O disco ...Das barrancas do Rio
Gavião eu ouvi de cabo a rabo, atentamente. Apaixonei-me por ele no Vale do
Jequitinhonha.
ZONA SUL – Como você explica o fato de ter conhecido o som desses
nordestinos no Vale do Jequitinhonha e não em Belo Horizonte, a capital do
estado?
MAGNO – Se pensássemos muito rapidamente, chegaríamos à conclusão que a
capital seria o lugar onde possivelmente ouviríamos essas canções. Mas eu
participava, em BH, de um segmento social diferenciado do que eu convivia na
cidade de Rubim. Acho que Rubim, pela própria posição geográfica, pela
proximidade com o Nordeste, tinha um acesso mais rápido. As pessoas lá se
identificavam com mais facilidade com as músicas, pela própria realidade
retratada nas canções, pelo linguajar, pela imagética e por tudo o que essas
canções possivelmente retratavam. Imagino que os adolescentes de Belo Horizonte
talvez estivessem menos preocupados com aquela realidade ou não se sentissem
tocados por aqueles temas retratados nas canções.
ZONA SUL – Como se deu sua troca de Belo Horizonte por Brasília?
MAGNO – Eu me casei com uma pessoa que teve muita importância nesse
processo. Ela recebeu um convite para desenvolver um trabalho no Ministério da
Educação, em Brasília. Trabalhávamos em Belo Horizonte, nosso filho tinha
nascido. Viemos de imediato, não foi nada planejado. Para quem planejava morar
pouco tempo aqui, já viramos quase candangos.
ZONA SUL – Quer dizer que sua pesquisa não interferiu na troca de
endereço.
MAGNO – Minha pesquisa já havia sido mais ou menos esboçada na
Universidade Federal de Minas Gerais, onde me formei, em História. Depois de
uns dois ou três anos graduado, retomei meu contato, no Departamento de
História, com uma pessoa de quem gosto muito, a professora Regina Horta. Ela
havia dito que gostaria de dialogar comigo quando eu resolvesse fazer alguma
pesquisa. Eu já havia esboçado um projetinho. Levei para essa professora e, no
momento em que eu pensava em desenvolver o trabalho lá, minha mulher recebeu o
convite. No início fiquei triste, achei que em Brasília - sem contatos ou
referências nas escolas e universidades - a pesquisa ficaria relegada a um
plano secundário. Para minha surpresa, logo que cheguei fui buscar informações
sobre os departamentos de História e encontrei um terreno bacana para
desenvolver o projeto.
ZONA SUL – O tema já havia sido definido em Minas? Pelo que apreendi do seu trabalho, Brasília teve uma importância grande na ligação dos piauienses com os cearenses.
ZONA SUL – O tema já havia sido definido em Minas? Pelo que apreendi do seu trabalho, Brasília teve uma importância grande na ligação dos piauienses com os cearenses.
MAGNO – É verdade. Aí é que entra o grande barato da coisa. Uma pesquisa,
particularmente na área de história, tem trâmites os mais surpreendentes
possíveis. Ao montar o esboço da pesquisa, a questão do Nordeste já havia sido
tematizada. Mas tudo era muito vasto, amplo. Eu ainda não tinha feito recortes
para discutir uma música nordestina situada exatamente na década de 70. Eu
tinha o espaço, mas não o tempo. Quando levei para Regina Horta, eu queria, a
princípio bem ingenuamente, discutir questões relativas à tradição e vanguarda
dentro da música nordestina. O que eu achava que seria engavetado, encontrou em
Brasília um terreno muito propício. Vim sem nunca ter pisado na cidade, mas me
descobri diante de um território que me oferecia muito mais elementos para
poder discutir questões relativas ao Nordeste. É da própria conformação da
cidade. Curiosamente, me deparei com alguns dos possíveis protagonistas daquilo
que eu imaginava, em Belo Horizonte, e não sabia que moravam aqui. Meu projeto
levado à UnB era uma coisa megalomaníaca, de tão grandioso.
ZONA SUL – Era uma enciclopédia...
MAGNO – Era. Mas toda pesquisa nasce assim, a gente começa sem ter muita
clareza do objeto. Ele vai se construindo à medida que a pesquisa se
desenvolve. Brasília, de certa forma, me ajudou a fazer esse recorte espaço
temporal do meu objeto de pesquisa. Aqui eu tive contatos e notícias daquilo
que eu gostaria de trabalhar lá em Belo Horizonte, mas que estava diluído
dentro de um universo muito mais vasto. Brasília foi o canal, porque ela
participa desse processo, de certa forma. Descobri que Brasília havia se
tornado um pólo para artistas piauienses e cearenses. De certa maneira, a minha
experiência em Brasília acabou determinando um pouco o caminho que eu deveria
seguir na minha pesquisa de mestrado.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre o seu trabalho.
MAGNO – Foi uma dissertação de mestrado defendida em uma área de pesquisa
chamada História Cultural, que existe na Universidade de Brasília. Levou o
título de Rompendo as entranhas do chão. Tem um subtítulo através do qual situo
um pouco mais o objeto: Cidade e Identidade de migrantes do Ceará e do Piauí na
música popular dos anos 70. O título principal, Rompendo as entranhas do chão,
foi tomado de empréstimo de um verso de uma canção de Ednardo, Pastora do
tempo. Achei que era pertinente com todas as reflexões que eu fiz no meu
trabalho, relativas à identidade, à representações de cidades que esses
migrantes retrataram em suas. Peguei a experiência do pessoal do Ceará e, aqui
em Brasília, tomei conhecimento que não eram todos cearenses. Haviam piauienses
envolvidos. Refiro-me particularmente aos irmãos Ferreira: Clodo,
Climério e Clésio. Com essa informação, pude verificar e aprofundar um pouco
mais o que havia de genuinamente cearense no movimento que ficou conhecido como
pessoal do Ceará, que carrega essa nomenclatura referencial àquele estado.
Discuti no trabalho também como isso funcionou naquele ambiente político
extremamente complexo, que foi o Brasil da década de 70, pós AI-5 e
pós-tropicalista. Este é um universo bastante complexo e ao mesmo tempo ainda
pouco situado dentro da história da música popular brasileira. O fundamental
foi abordar a importância que esse grupo de artistas teve naquele período.
ZONA SUL – Você trabalhou quanto tempo até concluir esse trabalho?
ZONA SUL – Foram quantos entrevistados?
MAGNO – Entrevistados foram muitos. Izaíra Silvino, musicista de
Fortaleza, foi uma delas. Ela foi a primeira intérprete de Raimundo Fagner, em
1969, em um festival ocorrido em Fortaleza, chamado Aqui no canto. Ela defendeu "Luzia do Algodão". A música chegou a ser gravada por uma gravadora local, mas
esse disco é raríssimo. Ela foi professora de Fagner, se tornou amiga. Toca
violino, cavaquinho... Ela foi uma das pessoas que me forneceram relatos a
respeito desse movimento, antes dele se configurar em Brasília. Brasília acabou
se tornando o foco. Até então eu não sabia que Fausto Nilo, Fagner, Dedé
Evangelista, Augusto Pontes e a musicista Mércia Pinto, entre outros, todos
eles vieram do Ceará para morar em Brasília no início dos anos 70. Isso foi
antes daquele boom chamado pessoal do Ceará. Mércia Pinto, que também é
pianista e professora da UnB, foi uma pessoa muito importante nesse processo.
Da mesma forma o foi a escritora Ana Maria Miranda. Eu havia convidado Mércia
para participar da minha banca, já que ela é professora do Departamento de
Música da UnB. No meio do processo ela acabou se revelando, para além da
questão acadêmica, como protagonista do meu objeto. Ela veio de Fortaleza na
época em que era casada com Fausto Nilo, quando ele veio dar aula na faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Mércia forneceu muitas informações a
respeito desse grupo de artistas e professores que vieram para Brasília naquele
período. Fausto Nilo, curiosamente, apesar de ter nascido em Fortaleza (*), compôs
sua primeira música no período em que morava em Brasília. Mas, o mais
importante foi o encontro desse grupo de Fortaleza com os irmãos Clodo,
Climério e Clésio. Eles já moravam aqui e já haviam se radicado em Brasília,
vindos do Piauí. Até 1965, a família Ferreira havia se estabelecido em Brasília.
No início da década de 70 eles se tornaram amigos, quando Clodo era
aluno da Comunicação Social na UnB.
ZONA SUL – Você não respondeu quantas entrevistas realizou...
MAGNO – Vou tentar responder. Só com a Mércia, por exemplo, depois que eu
soube que ela também havia protagonizado essa história toda, eu fiz umas nove
horas de entrevista, juntando tudo. Nove horas registradas, pois tinha coisas
que ela pedia para eu desligar o gravador antes de contar. Mas entrevistei Ana
Maria Miranda, Fausto Nilo e até Túlio Mourão, um músico que participou desse
processo, apesar de nem ser piauiense nem cearense. Clodo e
Climério não prestaram depoimentos formais, mas o tempo inteiro deram
assistência e conversaram comigo informalmente, até por telefone, e colocaram à
minha disposição muito material fonográfico. Foram pessoas fundamentais nesse
processo. Ednardo foi outra figura impressionante. Nesse processo de pesquisa a
gente sempre fica cauteloso quando está lidando com a memória de pessoas vivas.
Existe o receio de saber como elas vão encarar a forma de abordagem da gente.
Foi impressionante como Ednardo me recebeu. Foi muito respeitoso e carinhoso.
Ele é uma pessoa muito importante. Conversei com muita gente, inclusive com as
potiguares Terezinha
de Jesus e com a sua irmã Odhaires.
ZONA SUL – Terezinha
de Jesus entrou no seu trabalho?
MAGNO – Não. Conversei com ela antes de focalizar a pesquisa nos cearenses
e piauienses. Mas ela, junto com a Cátia
de França, foram fundamentais para eu me motivar a desenvolver o trabalho.
Eu não sabia que Terezinha tinha
retornado para Natal. Ela claramente estava envolvida no universo musical com o
qual eu queria trabalhar. Na seqüência, percebi que a pesquisa tinha tomado
outros rumos, mas a Terezinha é
uma artista que tem um papel importantíssimo nesse processo. Além de tudo, ela
foi uma das que registraram músicas pelo selo Epic, que era a gravadora a qual
Fagner estava envolvido, no final da década de 70. A princípio eu poderia
abordar o trabalho de todo esse grupo de artistas, mas infelizmente a pesquisa
acadêmica - por questões de limitações temporais e de prazos – exige que o
objeto seja enxugado. Mas, voltando ao assunto, também entrevistei o Ródger
Rogério, a Téti, a Gilda Cabral - que é irmã da Tânia Araújo, compositora
importante nesse processo, parceira de Ednardo. Foram várias pessoas
envolvidas, cada uma com uma trajetória bem diferenciada. Isso permitiu que eu
pudesse trabalhar com perspectivas as mais diversas, do ponto de vista do
letrista, do músico e da valorização. Infelizmente uma pesquisa de mestrado não
permite um aprofundamento maior, mas ela aponta uma possibilidade de pesquisas
que porventura virão e que podem enfatizar uma ou outra vertente destes
trabalhos que por mim foram abordados. Isso num doutorado ficaria mais claro.
ZONA SUL – Vamos voltar à nossa questão matemática: quantas músicas você
escutou?
MAGNO – Não tenho a menor idéia. Mesmo se eu fosse responder a partir do
momento que eu decidi pela pesquisa, quantas músicas eu ouvi, seriam muitas.
Vou fazer uma conta por alto. Algumas eu conhecia desde a adolescência, então
resolvi ouvir de novo, para ver como as interpretaria hoje. Por outro lado,
muito material me chegou às mãos sem eu conhecer. O grande barato da pesquisa é
que você percebe que sabe muito pouco sobre o assunto. Mas, digamos que somente
de Clodo,
Climério e Clésio, fazendo uma matemática rápida, dos seis discos que eles
gravaram na década de 70, ouvi 60 canções. Não estou cantando os outros
artistas que gravaram músicas deles. Fagner e Ednardo gravaram muito mais. Na
minha pesquisa não inclui Belchior. Ele apenas entrou na minha pesquisa para
sair, digamos assim. Em determinado momento questiono a inclusão de Belchior
dentro desse universo. A justificativa é que ele não tem qualquer parceria com
os irmãos Ferreira. Retratei principalmente a questão da parceria, não só a de
assinar uma canção, mas de participar de disco, de gravar. Ednardo, por
exemplo, participou do primeiro disco de Clodo,
Climério e Clésio, o São Piauí. Foi diretor artístico, algo assim. Parceria a
que me refiro é isso. Amelinha também está presente nos discos dos irmãos
Ferreira. Esse é o universo. Por isso o Belchior não entrou. Mas voltando à sua
questão matemática, por alto eu vou chutar um número: ouvi entre 1.500 e 2.000
músicas. Aliás, nem sei, acho que dá mais.
ZONA SUL – Eleja os 10 discos que integrariam uma discoteca básica dessa
sua pesquisa.
MAGNO – Começo por São Piauí, do Clodo,
Climério e Clésio. É um dos melhores discos que eu ouvi de todo esse
repertório, incluindo todo o universo do Nordeste da década de 70. É um disco
fundamental. O Azul e o Encarnado, de Ednardo, é outro disco importante. Há um
disco chamado Maraponga, do Ricardo Bezerra, que é sensacional. Tem
participações do Hermeto Paschoal, Robertinho de Recife e Amelinha. O primeiro
da Amelinha, que é o mais cearense dela, anterior ao Frevo Mulher, o Flor da
Paisagem, também tem que entrar nessa lista, é fantástico. Fagner também entra,
com certeza, a dúvida é qual deles. O Orós é um disco imprescindível, mas eu
elegeria também o Raimundo Fagner, que é o terceiro. Considero melhor que o
Manera Fru Fru e o Ave Noturna. Os dois valem a pena. De Rodger e
Téti, tem que entrar o Chão Sagrado, um disco fundamental. Da carreira solo da
Téti, incluo o disco Equatorial. Outros dois discos que não podem faltar na
lista são o Massafera e o Soro, que é Orós de trás pra frente. Este último foi
produzido pelo Fagner e inclui um texto do Clodo.
É um disco raro. Quem ouvir esses discos terá uma idéia do que aconteceu
naquela época. Eu escolhi apenas um Clodo,
Climério e Clésio, mas o Chapada do Corisco também é muito importante.
ZONA SUL – Qual a importância da UnB para o encontro dos cearenses e
piauienses em Brasília.
MAGNO – A universidade manteve certa dignidade na época da ditadura
militar. Ela conseguiu agregar as pessoas num período onde as liberdades de
criação estavam muito pouco permitidas, digamos assim. O fato de essas pessoas
terem se encontrado dentro da universidade talvez tenha sido o ponto crucial de
uma possibilidade de realização coletiva. Parece que há uma incongruência entre
o que seja música popular e o universo acadêmico, mas não é verdade. A
universidade foi o espaço onde as pessoas puderam dizer o que gostavam e o que
não gostavam. Os piauienses e cearenses interagiram nesse ambiente. Climério
foi estudante e, posteriormente, professor da UnB. Clodo foi
colega de Augusto Pontes. Fausto veio para dar aula de arquitetura e urbanismo.
Fagner teve uma passagem relâmpago. As irmãs dele moravam em Brasília. Ele foi
aprovado no vestibular para Arquitetura, mas logo em seguida participou do
festival do Centro Universitário de Brasília (Ceub), com Cavalo Ferro. Ganhou o
terceiro lugar. No mesmo vestibular, a parceria dele com Belchior, Mucuripe,
venceu o festival. Fagner ficou entusiasmado e foi embora para o Rio de
Janeiro, com Mucuripe nas costas. No Rio, encontrou um terreno propício para
mostrar seu trabalho. A trajetória do Fagner e da música Mucuripe, nesse
início, foram fundamentais. Na mesma época, Ednardo, Ródger e Téti gravaram Meu
corpo, minha embalagem, tudo gasto na viagem. Era o disco do pessoal do Ceará.
Fagner desistiu de sua participação. O título é trecho de um poema de Augusto
Pontes, que estava também ali envolvido.
ZONA SUL – Esse disco, depois, virou Ednardo e o pessoal do Ceará...
MAGNO – Sim. O próprio Ednardo chama atenção disso. Na verdade era pessoal
do Ceará, não havia um destaque para nenhum deles. Ednardo reconhece que depois
as gravadoras fizeram uma espécie de marketing meio maluco, por conta da
visibilidade que ele teve em função de Pavão Mysteriozo. É um disco que tem
Téti, Rodger e
Ednardo em pé de igualdade. Também traz compositores cearenses como Ricardo
Bezerra e o próprio Fagner, que participa de Cavalo Ferro.
ZONA SUL – Ednardo também estudou na UnB?
MAGNO – Ednardo não chegou a morar em Brasília. Rodger fez
mestrado em Física na UnB. Dedé Evangelista foi professor de Física, também na
UnB. Ele fez canções importantes nesse período, em parceria com Rodger e
Ednardo. Dedé foi professor de Física, Fausto Nilo, de arquitetura. Clodo,
Climério e Clésio, todos eles passaram pela Comunicação Social. Mércia, casada
com Fausto, já veio formada em Música, depois deu aula na UnB. A UnB foi o
espaço de confluência dessa turma.
ZONA SUL – A pesquisa vai virar livro?
MAGNO – Estou pelejando para esse trabalho ser publicado. Uma das editoras
para as quais eu enviei, pediu para eu reformular a linguagem. Dei uma
reestruturada no texto, já que um texto acadêmico tem pouco apelo público.
Outra editora, essa especializada em textos acadêmicos, possivelmente deve
editar o trabalho na íntegra. Quero chegar a um público mais vasto, para não
ficar restrito à academia. Em um primeiro ímpeto, eu quis democratizar o
trabalho e achei que meu texto não estava tão hermético. Pensei que era
possível torná-lo mais viável, do ponto de vista do público. Mas como não
entendo políticas e estratégias de editoras, fiquei um pouco na mão dessa
turma. Estou aguardando para ver se eles aprovam ou não. De qualquer forma,
estou correndo para torná-lo mais próximo do público.
ZONA SUL – Como uma editora pode entrar em contato para negociar a
publicação do seu livro?
MAGNO – Através do meu email magnocordova@unb.br. Quem preferir pode ligar para meu
telefone, aqui em Brasília: (61) 9122-6279.
ZONA SUL – O que você está pesquisando agora?
MAGNO – Recentemente me envolvi com um projeto de uma pessoa lá de Belo
Horizonte, aprovado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, e
pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. O trabalho é sobre os
300 anos de música no Brasil. A contrapartida do projeto é sairmos divulgando o
seu resultado. Essa divulgação começou pela capital mineira. Já fizemos três
palestras em Belo Horizonte e agora vamos visitar algumas cidades do interior
do estado de Minas. Também viajaremos por alguns estados. Estaremos em Brasília
no início do ano que vem. Também estou pretendendo dar continuidade ao trabalho
iniciado em “Rompendo as entranhas do chão”, só que com outro recorte. Já está
mais ou menos definido. Vou discutir questões um pouco mais amplas, sem limitar
por alguma região. Esse projeto será enviado para o programa de pós-graduação
em História, dentro da linha de pesquisa de História Cultural da UnB. Espero me
empenhar nele até trazer novos resultados de pesquisa sobre a música.
ZONA SUL – Você também é responsável por alguns dos verbetes do Dicionário
Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que pode ser acessado no site http://www.dicionariompb.com.br/
MAGNO – Sim. Um deles foi sobre a Terezinha
de Jesus. Foi muito legal ter conseguido a atenção dela, ter me informado a
respeito de toda a sua trajetória musical. Coletei o material, redigi e enviei
para o Ricardo Cravo Albin, com quem atualmente mantenho contato pessoal. Na
época, a mediadora desse meu trabalho dentro do Instituto Cultural Cravo Albin
foi Heloísa Tapajós. Era a responsável por esse segmento musical. Nós
publicamos informações sobre Clodo,
Climério, Clésio e Terezinha.
Tenho interesse de fazer um trabalho com o Ricardo aqui em Brasília, envolvendo
o Museu Nacional da Imagem e do Som. Já estabeleci contato com algumas pessoas
daqui. O projeto está na iminência de ser aprovado. Se for, vamos trabalhar
mais concretamente na produção de verbetes e de entrevistas. A intenção é
envolver artistas do país inteiro.
ZONA SUL – Por falar em Terezinha
de Jesus, o que você diria a respeito da música potiguar?
MAGNO – Vou ser extremamente honesto com você: entre os potiguares,
a Terezinha é
a pessoa de quem tenho mais afeição e conhecimento a respeito da obra. Tenho
todos os discos da Terezinha.
Sempre fui apaixonado por sua obra. Recentemente me envolvi com o trabalho da
Dona Militana. Foi na execução daquele projeto que falei há poucos instantes,
idealizado pela pesquisadora e musicista mineira, Mara de Aquino. O nome do
projeto é Cravos na janela. É um livro com um CD encartado e resgata a história
da música popular do Brasil, de uma maneira geral. Eu já conhecia os romances
da Dona Militana quando Mara incorporou esse repertório no projeto. Outro nome
importante do estado, que eu só soube recentemente que ele era potiguar, é
K-Ximbinho. Foi uma surpresa, quando eu soube, já que nunca tinha lido dados
biográficos dele. Só conhecia sua obra. Não posso deixar de falar também do CD
Mares Potiguares, um disco que me impressionou. Adorei tudo, achei lindo.
Reconheci algumas músicas que Terezinha havia
gravado. Porém, o que mais me impressionou foi o livro que acompanha o disco em
um kit feito por Mirabô.
Li com muita doçura e carinho. É um documento de uma importância impressionante
para entendermos um pouco do que acontecia na música popular na década de 1970.
Esse livro de memórias do Mirabô traz
informações impressionantes. Estou para mandar um recado para o Mirabô.
Em breve vou escrever, com carinho, uma mensagem para ele. O livro, além de ser
extremamente importante do ponto de vista documental, é muito prazeroso de se
ler. Babal e
Tico da Costa são outros potiguares que conheci e também adoro. Pretendo ficar
mais atento à música potiguar, até porque uma coisa eu posso garantir: além
dessas pessoas que citei, que adoro, a cidade do Nordeste que mais gosto é
Natal.
ZONA SUL – A história da MPB está bem contada nos livros disponíveis?
MAGNO – Não. As pessoas contam muito bem, mas apenas um determinado viés.
O que está escrito foi bem contado. Mas a música popular ainda tem lacunas
sérias que devem ser abordadas. Esse é um papel do historiador, mas é também
dos antropólogos, jornalistas e sociólogos. Quem lida hoje com o universo
cultural no Brasil tem que tangenciar alguma coisa relativa ao que representa
essa manifestação que é a música popular brasileira. É preciso retomarmos
algumas dessas lacunas, preenchê-las. A história sempre precisa ser recontada.
Pra além do que já foi abordado, há muita coisa que está esquecida e que é
necessário a gente trazer a público. É importante para a memória de todos nós.
Eu, como mineiro, fui muito questionado por ter pesquisado os músicos do Piauí
e do Ceará e não os do Clube da Esquina. Minha resposta é que já tem muita
gente trabalhando pelo Clube da Esquina. É preciso saber o que aconteceu e o
que acontece, em termos de música, no território brasileiro como um todo.
ZONA SUL – O elepê acabou. O CD, que surgiu como uma mídia que iria durar
muito tempo, parece que está acabando também, depois da chegada do MP3. Hoje se
consegue baixar da Internet até mais do que é encontrado em lojas de discos. O
que você acha de tudo isso e onde fica a questão dos direitos autorais nessa
salada toda?
MAGNO – As pessoas, particularmente os artistas, têm que saber lidar com
esse movimento. As tecnologias elas surgem, mudam os comportamentos e as
atitudes. Do ponto de vista do mercado, talvez seja algo muito grave ou muito
bom, na medida em que você desbanca uma estrutura que a princípio monopolizava
determinadas posturas. Para o artista eu acho interessante, principalmente se
ele encontrar uma maneira de solucionar as questões do direito autoral.
ZONA SUL – Bandas de rock da Europa e dos Estados Unidos estão disponibilizando
seus trabalhos, através da Internet, para quem quiser copiar. No site também
aparece o número de uma conta bancária para a pessoa depositar o valor
referente ao preço que ela acha que vale aquele disco.
MAGNO – Exatamente. E faz sucesso. Estamos testemunhando uma mudança
comportamental. Para mim, como público, essa facilidade é ótima. Isso me dá
muito conforto. O mercado não é capaz, por exemplo, de bancar para que o
público consuma determinado trabalho, no entanto, através da Internet, o público
diluído desse artista ainda não consagrado vai se encontrar. Falamos de Babal,
por exemplo, agora há pouco. Eu não conhecia todos os discos dele, mas já
encontrei alguns na Internet. Para mim, é muito bom. Para o pesquisador, isso é
ótimo. Agora, é lógico que tem uma questão de direito autoral que precisa ser
equacionada. De qualquer forma, há uma contradição muito grande na medida em
que as empresas criam os equipamentos que permitem a reprodução indefinida dos
discos e, ao mesmo tempo, querem restringir essas cópias.
(*) - aqui, há um lapso de minha parte, já que Fausto Nilo é natural da cidade de Quixeramobim, no estado do Ceará. Imagino que minha intenção era dizer que ele saiu da capital, Fortaleza, quando se deslocou para o Distrito Federal. E que foi em Brasília que teria composto sua primeira música.
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