(Por Magno Córdova)
Entrevista com Túlio Mourão enviada, por e-mail, em 06 de maio de 2006.
A entrevista a seguir foi realizada no contexto de uma pesquisa específica (como outras, realizadas com Ana Miranda e Fausto Nilo - publicadas aqui no Rabiscos de Ouvido - e as com as professoras e musicistas Mércia Pinto e Izaíra Silvino, além da que foi colhida com o compositor Ednardo - as três últimas ainda inéditas por aqui). A referida pesquisa, como se sabe, representou parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em História Cultural, da Universidade de Brasília, obtido por mim em 2006.
Cabe informar que um desdobramento das reflexões contidas no texto dissertativo foi extraído a partir das informações prestadas por Túlio Mourão e também encontra-se publicado aqui no Rabiscos, como um artigo à parte, intitulado "Sotaques sonoros: Clube da Esquina e Pessoal do Ceará" (cf. http://rabiscosdeouvido.blogspot.com.br/2015/06/sotaques-sonoros-dos-anos-70-clube-da.html).
A presença de Túlio Mourão no universo musical que foi objeto de minha pesquisa significou, de certa forma, o que chamo de um "retorno ao chão", na medida em que, assim como eu, ele nasceu em Minas Gerais, e na medida em que sua música - particularmente aquela por ele produzida a partir do encontro com os protagonistas de minha análise - tendeu a fincar pé, a se sedimentar, a se alimentar mais de informações do seu universo musical de origem, desde então.
Sou grato ao Túlio Mourão por ter cedido o presente depoimento durante aquele meu trabalho, fundamental para a compreensão que possuo hoje da música realizada em nosso país.
Segue, então, a entrevista com o Túlio.
A entrevista a seguir foi realizada no contexto de uma pesquisa específica (como outras, realizadas com Ana Miranda e Fausto Nilo - publicadas aqui no Rabiscos de Ouvido - e as com as professoras e musicistas Mércia Pinto e Izaíra Silvino, além da que foi colhida com o compositor Ednardo - as três últimas ainda inéditas por aqui). A referida pesquisa, como se sabe, representou parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em História Cultural, da Universidade de Brasília, obtido por mim em 2006.
Cabe informar que um desdobramento das reflexões contidas no texto dissertativo foi extraído a partir das informações prestadas por Túlio Mourão e também encontra-se publicado aqui no Rabiscos, como um artigo à parte, intitulado "Sotaques sonoros: Clube da Esquina e Pessoal do Ceará" (cf. http://rabiscosdeouvido.blogspot.com.br/2015/06/sotaques-sonoros-dos-anos-70-clube-da.html).
A presença de Túlio Mourão no universo musical que foi objeto de minha pesquisa significou, de certa forma, o que chamo de um "retorno ao chão", na medida em que, assim como eu, ele nasceu em Minas Gerais, e na medida em que sua música - particularmente aquela por ele produzida a partir do encontro com os protagonistas de minha análise - tendeu a fincar pé, a se sedimentar, a se alimentar mais de informações do seu universo musical de origem, desde então.
Sou grato ao Túlio Mourão por ter cedido o presente depoimento durante aquele meu trabalho, fundamental para a compreensão que possuo hoje da música realizada em nosso país.
Segue, então, a entrevista com o Túlio.
(Belíssima capa [assinada por Aldo Luiz] do primeiro disco solo de Túlio Mourão, intitulado Trilhos e lançado em 1980, dentro de importante projeto fonográfico de valorização do instrumentista brasileiro, o MPBC).
Entrevista a Magno Córdova.
Magno Córdova: Você pode dizer como se deu a sua formação no campo da
música (Onde você estudou, com quais professores, em quais instituições, etc.)?
Túlio Mourão: Comecei aos sete anos de idade a aprender piano por sugestão de um professora vizinha e amiga da família, que tratou de convencer a mim e aos meus pais . A prof Arminda Ferreira foi positiva e segura ao afirmar que eu era músico, em Divinópolis, em 1959. Depois estudei um pouco de arquitetura e, em Belo Horizonte, Toninho Horta resolveu dar aulas teóricas para mim, Beto Guedes e Lô Borges na casa dele. Fiz novo vestibular, para o instituto Villa Lobos (da FEFIERJ), e lá estudei até que o governo militar acabasse com a escola, perseguindo os professores e, por fim, demolindo o prédio que já pertencera à UNE (praia do Flamengo, 132, onde hoje resta um estacionamento). Meus amigos músicos me aconselharam a estudar sozínho, escrever para orquestra e observar os resultados. Foi o que fiz.
MC: Quando foi que você saiu de
Minas? Por que?
Túlio Mourão: Saí de Minas abandonando a arquitetura porque o instituto Villa Lobos, no Rio, conciliava uma escola com prestígio ascendente com o cenário profissional promissor do Rio de Janeiro. Intimamente, eu precisava de um gesto mais radical que me pusesse no caminho da música.
MC: Além dos estudos formais, é
possível você apontar alguns trabalhos musicais que considera expressivos na
sua “formação de ouvinte”?
Túlio Mourão: Gosto de citar "A lenda da montanha de cristal", tema prefixo do cinema de Divinópolis, que só recentemente descobri se tratar de obra de Nino Rota; a música erudita espanhola que meu pai tinha em casa; um fato curioso - a única versão do "Gingle bells" que se escutava no natal na minha casa e no meu mundo - e que eu supunha ser a única e definitiva versão da música - era executada por um grupo de jazz com altos improvisos (sonho reencontrar esta versão por aí). Mas o mix cultural que chegava a minha cidade nos anos 50 e 60 ainda permitia a saudável diversidade capaz de exibir tanto Nat king Cole quanto Libertad Lamarque, Edith Piaf, Sara Montiel, Ângela Maria e os primeiros twists e rocks, com apelo mais dançante que qualquer coisa.
MC: Você chegou a estudar com Marcus
Vinícius de Andrade, no Instituto Villa-Lobos? Se sim, há alguma relação entre o
contato profissional com o Marcus Vinícius e a sua participação na banda que
acompanhou Belchior, quando do lançamento do primeiro disco deste compositor?
Túlio Mourão: Provavelmente estudei no Villa-Lobos na mesma época que Marcus Vinicius, mas não vejo ligação entre o convite para integrar a banda de apoio de Belchior, que me foi feito pelo ex-Mutante Liminha, que estava na Poligram na época (ainda não era produtor).
MC: A partir de que momento você
passa a atuar como músico em estúdios? O que isso significa em termos de
reconhecimento público?
Túlio Mourão: Assim que deixei Os Mutantes, precisava de alternativas profissionais para me manter e, na ocasião, os estúdios ofereciam algum trabalho. Mas penso que este tipo de trabalho não vazava para o publico e pouco somava para uma carreira solo. Acho que trazia algum prestígio no próprio meio musical.
MC: Você chegou a presenciar alguma atitude preconceituosa
com relação ao artista de origem nordestina no ambiente musical brasileiro?
Você acredita que houve (ou há) uma depreciação prévia nesta área com relação à
capacidade profissional dos indivíduos nascidos em algum estado do Nordeste?
Túlio Mourão: Definitivamente, não presenciei. E não tive notícia de nada ofensivo ou preconceituoso referente aos artistas nordestinos mas, pelo contrário, testemunhei um certo clima de moda, de atualidade, de interesse tanto do público quanto da crítica em relação a eles. Houve um momento em que a novidade musical era o que chegava do Nordeste e era muito bem recebida. Lembro do Tarik de Souza tecendo altos elogios a Fagner e Ednardo, por exemplo.
MC: O que muda no universo da música
instrumental brasileira dos anos 70 com relação a uma tradição fundada
basicamente no chorinho? Altera o status da instrumentação no universo
da canção popular e, conseqüentemente, do profissional instrumentista que atua
nessa esfera?
Túlio Mourão: Não tenho muita informação quanto a esta questão porque nos anos 70 eu estava no epicentro de movimentos que valorizavam o rock progressivo, que chegava principalmente de Londres. Na segunda metade dos 70, presenciei o fim pouco prestigiado de mestres como Copinha [Nicolino Copia] na flauta e o clarinetista Abel
[Ferreira].
MC: É possível se falar em algum elemento diferencial, determinado
pelo local de origem dos artistas nascidos na região Nordeste, que
tenha sido uma contribuição estética (musical ou textual) daquela região à
canção popular realizada no país na década de 70?
Túlio Mourão: Estou convencido que sim. Pelo lado das letras, o discurso poético que vinha do Nordeste exibia um diferente equilíbrio equidistante entre o urbano, o rural, o politico, o romântico e o existencial. Pelo lado musical, as estruturas melódicas e harmônicas mostravam uma distancia da sofisticação da bossa nova ou do jazz, que remetia à distância física de Fortaleza ao Rio de Janeiro. A música exalava um frescor agreste, que de certo modo refletia o quantum de informação que os músicos estavam elaborando na ocasião. Sugeria, também, que Fortaleza teria uma comunicação própria com o mundo, o seu próprio cosmopolitismo refletido, por exemplo, na maneira de valorizar e incorporar elementos do pop e o rock (que mineiros também faziam à sua maneira). Acho que isto tudo configura originalidade e riqueza ou seja singularidade que marca a inserção da música do nordeste na MPB.
MC: Como instrumentista com trânsito
intenso por diversas vertentes da canção popular, como você avalia o impacto e
as expectativas, entre público e profissionais ligados à música, com relação à
produção específica dos artistas nascidos no estado do Ceará naquele período?
Túlio Mourão: Esta questão foi respondida. Eu testemunhei uma expectativa muito positiva a respeito dos músicos que vinham do Ceará. A ponderação que faço hoje é de que os principais intérpretes do Ceará tiveram sempre mais resposta e mais presença na cena nacional quanto mais eles se dispuseram a vivenciar e exibir a riqueza e diversidade da produção musical da região, gravando música de diversos compositores e diversos letristas. O resultado e o impacto dessa música foram muito fortes e muito bem recebidos.
MC: É possível você fazer algum
comentário acerca dos seguintes trabalhos em que você esteve envolvido? (Túlio,
aqui é um exercício de memória onde você deve ficar à vontade com relação a
qualquer tipo de lembrança: um detalhe técnico, alguma música que tenha chamado
a sua atenção, etc.):
a) Espetáculo
de lançamento do primeiro disco de Belchior:
Túlio: No lançamento de Belchior, agora me chama a atenção o quanto ficou a vontade a banda de apoio que vinha de formação pop, Túlio, Liminha, Rick [Ferreira] e Áureo* [de Souza]. Eu usei um piano Fender que depois comprei do Áureo, que acabava de chegar de Londres. A performance da banda foi muito elogiada na ocasião.
b) Gravação
do LP O azul e o encarnado, de Ednardo:
Túlio: Na gravação de Ednardo, eu fui pra São Paulo e fiquei alguns dias na casa dele ensaiando e criando arranjos. Me lembro de que o baixista [Mario Henrique] tinha algumas preferências jazzistas que eram mal recebidas. Era muito fértil o meu encontro com Robertinho de Recife . Na ocasião, Ednardo foi à loja e comprou um piano elétrico para os ensaios na casa dele.
("Receita da felicidade", de Ednardo, gravada no disco O azul e o encarnado, do artista cearense. Túlio aparece com "palpites" nos arranjos, nos pianos acústico e elétrico e arp strings, neste LP).
c) Gravação
do LP Raimundo Fagner, de Fagner:
Túlio: Na gravação de Raimundo Fagner me senti envaidecido de conhecer e estar ao lado de tantos músicos já famosos como Wager Tiso e Robertinho Silva, mas o melhor aconteceu quando Fagner, no estúdio, recebeu a visita de Milton Nascimento, que eu ainda não conhecia. Milton escutou algumas faixas na técnica e depois Fagner foi leva-lo até a porta. Voltou de lá dizendo pra mim:
- "vocês são mesmo uma mafia!".
- "vocês são mesmo uma mafia!".
- "Porquê?".
Perguntado sobre o que estava achando do disco, Milton respondeu:
- "Claro que tem que estar bom: tem mineiro tocando!", (se referindo a mim ).
- "Claro que tem que estar bom: tem mineiro tocando!", (se referindo a mim ).
(Performance da banda na faixa "Pavor dos paraísos", parceria de Fagner e Capinan, lançada no LP Raimundo Fagner, de 1976: Túlio, nos teclados; Robertinho de Recife, na guitarra e viola de 12; Robertinho Silva, na bateria; Luis Alves, nos baixos acústico e elétrico; e Fagner, no violão).
d) Gravação
do LP Equatorial, da Téti:
Túlio: Na gravação de Equatorial, eu estava muito excitado com a responsabilidade de escrever para orquestra e pedi ao Toninho Horta para reger, coisa que ele também ficava inseguro em fazer sem conhecer bem os arranjos. Fiquei um pouco chateado com uma crítica que falava que os arranjos são muito urbanos e que o Ceará já tinha agora sua cantora de bossa nova. As canções me motivavam muito.
e) Gravação
do LP Brilho, do Stélio Vale;
Túlio: Na gravação de Brilho, me ficou mais o encontro com Nonato [Luiz], o quanto me chamou atenção a sua sonoridade e as possibilidades do violão dele.
Participei, também, da gravação do primeiro solo de Robertinho de Recife. Na época, a moda era o sintetizador Obeheim, que alugamos, acho, do Lincoln Olivetti. Os temas são muito bonitos e conseguimos sonoridade e arranjos muito originais para a época.
MC: Você começou o curso superior
de Arquitetura e não prosseguiu. Você pode dizer porque a Arquitetura apareceu
como opção? E porque ela não se consolidou como profissão?
Túlio Mourão: A arquitetura sempre me fascinou porque vivo sob a tirania da forma. A forma me comove, me sensibiliza , me toca profundamente. Só não continuei com a arquitetura porque o apelo da música era muito forte. Depois, casado com uma estudante de arquitetura fazia os trabalhos de casa dela. Tenho certeza de que seria um bom arquiteto. Na ocasião em que precisei escolher já existia na nossa vida a figura mártir, atirada e heroica de Jimmy Hendrix. A música era um risco que, no mínimo, merecia ser corrido
Túlio Mourão
(Aqui, "Engenho trapizonga", composição de Túlio em parceria com Tavinho Moura e Ronaldo Bastos, incluída em seu disco Jasmineiro, de 1984, de sua discografia solo."Engenho trapizonga" possui registro com letra, interpretada por Tavinho, em um disco seu que possui por título o nome desta canção).
* O nome do baterista Áureo de Souza é grafado por Túlio como Áuro, possivelmente a forma de tratamento amistoso usual entre eles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário